Os guaranis-kaiowas se deslocam para área Kurusu Ambá, em Coronel Sapucaia, para resistir à reintegração e afirmam que resistirão até a morte
Do Progresso
Imagem printada _ Arquivo/ Luciano De Mello Silva |
Em massa, guaranis-kaiowas de todo Mato Grosso do Sul estão se deslocando para área Kurusu Ambá, em Coronel Sapucaia. Eles prometem resistir até a morte à ordem de despejo concedida pela Justiça Federal, em setembro deste ano. A decisão foi protelada devido a recursos interpostos pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ministério Público Federal. Como ambas foram indeferidas pelo Judiciário, a reintegração pode acontecer a qualquer momento.
De acordo com uma das lideranças, o indígena Elizeu Kuari, audiência no dia 6 de dezembro, na Justiça Federal vai anunciar a data de despejo. “Não iremos participar de qualquer ato que tente nos intimidar. Para nós, só vem ameaças de que a Polícia Federal vai invadir e usar armas e bombas de efeito moral. Já sabemos de tudo isto. O que queremos é ouvir alguém que garanta nossos direitos e, como isto não acontece em nosso Estado, estamos nos preparando para resistir a qualquer tentativa de despejo. Se a Polícia Federal for vir aqui, que ela já traga caixões e cruzes suficientes para enterrar todo o nosso povo porque vamos lutar até a morte”, destaca.
Conforme ele, no local, residem 180 pessoas, a maioria é mulher, criança e idoso. Para tentar barrar a tentativa de despejo, a comunidade reforça o movimento com mais de 700 indígenas de todo o Estado que começaram a chegar. “Todas as aldeias estão enviando representantes que estão dispostos a lutar no confronto com a Polícia. Mesmo temendo o banho de sangue que isto pode gerar, entendemos que morrer lutando pelos nossos direitos, pela natureza e pelo nosso Brasil é uma honra. Este movimento é de todos os indígenas, cerca de 40 mil no Estado que estão unidos contra qualquer ataque”, acrescenta.
Segundo ele, a comunidade iniciou o Aty Guassu (grande reunião indígena) e vai permanecer reunida até que algum representante do poder público se manifeste a favor das causas indígenas. “O Estado de Mato Grosso do Sul é o segundo em mortes de indígenas do país. É uma vergonha isto e ninguém faz nada para mudar nossa realidade. Todos os dias, perdemos mais e mais indígenas que são brutalmente assassinados. Por causa disso, não tem mais acordo. Vamos permanecer ocupando a área”, enfatiza.
Clima tenso
No local, o clima é tenso. De acordo com Elizeu, por três noites consecutivas, 23, 24 e 25 de novembro, pessoas armadas montaram cerco contra a comunidade indígena e passaram a efetuar várias séries de tiros contra os Guaranis-Kaiuás.
Com os faróis dos veículos apontados para a comunidade, os supostos “pistoleiros” mapearam a posição dos indígenas e efetuaram os disparos. Ava Jeguaka Rendy Ju, liderança da comunidade, disse que a ação aterroriza a comunidade. “A sensação é de que estamos sendo caçado como animais. Eles iluminam a gente com os faróis e disparam, às vezes para cima, às vezes, contra nós. É assim a noite inteira”.
A comunidade relata ainda que o número de pistoleiros e de veículos que os encurralam durante a noite vem aumentando e que, a cada dia que passa, os jagunços ficam mais agressivos. Na última noite, já foram mais de dez carros segundo relato dos indígenas. “Tememos pelas vidas de nossos pequenos, de nossos velhos, mas estamos gritando para o vazio, ninguém nos escuta, quando estivermos mortos talvez venham entregar os caixões”, desabafa Rendy Ju.
De acordo com o advogado da comunidade indígena, Anderson Santos, eles acamparam às margens da área ocupada em 2007. “Depois de vários ataques, a comunidade decidiu ocupar em 2013 a sede da fazenda. Hoje, existe uma portaria de grupo de trabalho garantindo os estudos antropológicos no local, mas este laudo ainda não foi concluído”, destaca.
Na Justiça, os proprietários alegam que são legítimos proprietários da terra. O grupo indígena alega que antepassados viveram no local e foram expulsos de suas terras. O advogado diz que, em relação aos relatos de ataques, o Ministério Público Federal já foi comunicado.
Produtores
Em relação à reintegração de posse em Coronel Sapucaia, o assessor jurídico da Famasul, Carlo Daniel Coldibelli, diz que ordem judicial é para ser cumprida. “A nossa orientação para os produtores sempre é a de procurar o judiciário e evitar o confronto. É justamente isto que eles fazem”, destaca.
Conforme o advogado, o Supremo Tribunal Federal vem aplicando critérios de Raposa Serra do Sol e afastando a posse de terra indígenas no País, o que para ele classifica o que pode ou não ser considerado terra indígena.
Recentemente, a Famasul informou que produtores de todo Mato Grosso do Sul, principalmente do Cone Sul do Estado, vem enfrentando situações desumanas há muito tempo, devido às ocupações dos povos indígenas, que alegam sempre terem seus antepassados nas localidades.
Outra alegação de alguns órgãos não governamentais diz respeito à autoridade dos indígenas sobre as propriedades, como se já fossem deles; contudo, todas as terras, de acordo com os produtores, foram adquiridas de forma legal, ou seja, pagas e escrituradas, de modo que qualquer iniciativa de adentrá-las remete invasão perante a justiça.
“De uma forma ou de outra os produtores sofrem as consequências. Se o pedido dos indígenas à justiça para a invasão for reincidido, ela ocorre da mesma forma. As leis devem ser as mesmas para todos. De mãos atadas, a classe produtora luta desamparada. Uma injustiça histórica não pode ser corrigida com outra maior ainda”, comenta o vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) e produtor rural de Amambai, Christiano Bortolotto.
De acordo com vários produtores, a revolta não é com os indígenas e, sim, com a injustiça histórica em que estão envoltos. De forma totalmente ardilosa, situações parecem ser construídas de modo a direcionar os povos indígenas contra a classe produtora, fato que pode ser constatado por quem vem acompanhando há algum tempo o enredo desta história.
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