Nelson Jr./SCO/STF
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Cármen Lúcia, a presidente do STF, em encontro com indígenas em junho passado. O que fará o STF? |
Por Erika Yamada* em Carta Capital
O Supremo Tribunal Federal (STF) começa nesta quarta-feira 16 o julgamento de quatro ações que podem aprofundar o quadro de violações e retrocessos sobre os direitos territoriais e socioambientais no Brasil.
As ações versam sobre: a constitucionalidade do decreto que estabelece procedimentos de demarcação de territórios quilombolas (ADIn3239); a nulidade de títulos de particulares que ocupavam a terra indígena Ventarra/RS (ACO469); e o direito do estado do Mato Grosso ser indenizado por alegada desapropriação de terras em razão da demarcação pela União das terras indígenas Parque Indígena do Xingu (ACO362) e Nambiquara/MT (ACO366).
Uma avaliação geral aponta que, ainda que os julgamentos resultem positivos para manter o status quo das respectivas áreas demarcadas, podem prejudicar procedimentos administrativos de demarcação de indígenas que aguardam conclusões, e futuros casos judiciais.
O receio é de que, tal como o parecer assinado por Michel Temer no mês de julho – que orienta a administração a aplicar condicionantes do caso Raposa Serra do Sol restritivas de direitos a todos os casos de demarcação de terras indígenas – os julgamentos do STF sejam peças de um perverso quebra-cabeças de interesses encomendado para consolidar a chamada tese do marco temporal no Brasil.
Essa tese visa restringir genericamente o direito constitucional de demarcação de terras e territórios tradicionais de povos indígenas e comunidades quilombolas, caso não comprovem a ocupação das áreas reivindicadas na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Isso desconsidera os processos de esbulho territoriais sofridos por estas comunidades, muitas vezes pela mão do Estado.
Renomados juristas e acadêmicos já esclareceram que tal restrição não está prevista na Constituição de 1988 e, de fato, contraria o histórico de reconhecimento dos direitos territoriais indígenas já previstos no ordenamento jurídico nacional desde pelo menos 1934.
Após sua visita ao Brasil em 2016, Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, afirmou que a aplicação da tese do marco temporal pelo Judiciário e especialmente pelo STF violava e viola os direitos humanos dos povos indígenas.
Para a relatora, aplicar o marco temporal sem considerar como ou por que os povos indígenas foram retirados de suas terras significaria impor restrições de direitos humanos para os povos indígenas. “Com o marco temporal, o Estado contraria a sua Constituição, expulsa os povos indígenas de suas próprias terras, impede o gozo de direitos básicos e alimenta a violência contra eles”, afirmou Tauli-Corpuz.
O pleito pela redução dos direitos mais fundamentais dessas populações – com impacto direto sobre a identidade cultural, a qualidade de vida e a própria sobrevivência física de indígenas e quilombolas – ganha, no entanto, cada vez mais força por meio de pressão da bancada ruralista e evangélica em cima do atual governo.
Essas bancadas são proponentes e defensoras de projetos de leis e emendas constitucionais que exatamente visam reduzir direitos constitucionais de povos indígenas e quilombolas abrindo terras para a grilagem e a descontrolada exploração de recursos naturais. Por isso, para os movimentos indígena e quilombola, o julgamento dessas ações esta semana não é um mero acaso.
Ainda assim, há esperança de que o STF reafirme sua independência e decida pela defesa dos preceitos constitucionais, inclusive para frear o ritmo com que o Estado avança na contramão de seus compromissos e obrigações internacionais de direitos humanos.
Nas últimas décadas, tanto a Corte como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos estabeleceram farta jurisprudência sobre o reconhecimento dos direitos territoriais de povos indígenas e quilombolas baseadas em instrumentos internacionais vinculantes como a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Em suma, para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, os países devem contar com legislação e procedimentos administrativos adequados para garantir a titulação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas ou quilombolas.
De acordo com a jurisprudência internacional, essa ocupação não se define por um marco temporal mas pela relação física, cultural, espiritual e ecológica que as comunidades mantêm com seus territórios e difere-se portanto radicalmente da definição de posse civil.
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