31 de agosto de 2017

Povos do rio Tapajós são 'atropelados' por corredor logístico para levar soja à China, diz estudo



Corredor logístico tem gerado supervalorização fundiária e pressionado comunidades tradicionais a deixarem suas terras | Foto: ActionAid/Fase


Da BBC Brasil no Rio de Janeiro

Impulsionada pela forte demanda do mercado chinês, a expansão do corredor logístico para escoar grãos pelo Norte do país vem deixando um rastro de impactos negativos no entorno do rio Tapajós, na Amazônia, de acordo com estudos de ONGs sobre projetos de infraestrutura na região.
Segundo um relatório da ActionAid e da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), a região do médio Tapajós, no noroeste do Pará, está em vias de receber cerca de 20 novos portos privados para o transporte de grãos ao longo da próxima década.
De acordo com o estudo, os investimentos no corredor logístico têm gerado uma supervalorização fundiária, pressiona comunidades tradicionais a deixarem suas terras, favorece a concentração de renda e altera a paisagem de uma região que é considerada um dos maiores mosaicos de áreas protegidas no mundo.
As críticas são reforçadas por um segundo estudo que questiona o modelo de desenvolvimento em torno do rio, que acaba de ser lançado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e calcula em 26 o número de portos a serem construídos no Tapajós.


A estação de cargas da Cianport em Miritituba
Image captionEstações de cargas como a da Cianport em Miritituba são paisagens cada vez mais comuns na região | Foto: ActionAid/Fase

A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas) confirma apenas 15 estações de transbordo licenciadas ou em processo de consulta, sendo quatro já autorizadas para operação.
Lançado no Rio nesta quarta-feira no Rio, o primeiro relatório, intitulado "A geopolítica de infraestrutura da China na América do Sul: Um estudo a partir do caso do Tapajós na Amazônia brasileira", credita a expansão do corredor logístico sobretudo à demanda da China - principal parceiro comercial do Brasil e, no que concerne especialmente à região, maior comprador da soja nacional.
"O Tapajós se tornou a rota mais almejada da soja brasileira, com a expansão mais dinâmica em curso no Brasil, e a demanda chinesa é o fator determinante para isso", diz Diana Aguiar, assessora nacional da Fase e autora da pesquisa.

População 'atropelada'

De acordo com Aguiar, o preço da terra no entorno do município de Itaituba, epicentro dos investimentos, explodiu, gradualmente afastando populações tradicionais das margens do Rio. Nas regiões à beira do rio, lotes de terra chegaram a ter valorização de 2.000% na última década.
A pesquisadora diz que há indícios de grilagem na análise dos títulos de terra, com registros existentes apenas de 2000 para cá, e de destruição de sítios arqueológicos, com artefatos antigos de cerâmica encontrados, mas ignorados, no processo de terraplanagem para construir um dos portos.


Casas de famílias cercadas por terrenos vendidos para instalações portuárias em Santarenzinho
Image captionFamílias têm suas casas cercadas por terrenos vendidos para instalações portuárias em Santarenzinho | Foto: ActionAid/Fase

Além das mudanças à beira do rio, o aumento do fluxo de carretas chegando com grãos pela BR-163 também vem aumentando a poluição sonora e ambiental.
"A população se queixa do aumento de atropelamentos, poluição, engarrafamentos e da exploração sexual de menores nos postos de triagem", diz.
"De repente o território dos povos do Tapajós, por uma confluência de interesses, se tornou rota da soja. É um atropelamento de empreendimentos que chegam por razões completamente alheias à logica territorial. As comunidades locais passam a ser vistas como uma pedra no caminho da soja", acrescenta Aguiar.

Fator China

Aguiar passou cinco meses no Tapajós para estudar o impacto local dos investimentos em infraestrutura e das relações com a China - analisando a região como termômetro das mudanças provocadas pelo gigante asiático, na expectativa de que os investimentos chineses na área de infraestrutura aumentem expressivamente nos próximos anos.


Vista do rio Tapajós desde Santarenzinho
Image captionA região é considerada um dos maiores mosaicos de áreas protegidas no mundo | Foto: ActionAid/Fase

O presidente Michel Temer chega à China nesta quinta-feira para a 9ª Cúpula dos Brics (grupo de países emergentes que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Além de fazer visita de Estado, Temer participará de um seminário empresarial para apresentar o pacote de concessões e privatizações de aeroportos, portos, rodovias e linhas de transmissão, buscando atrair investidores chineses. Lançado na semana passada, o pacote inclui a venda de parte da Eletrobras e projetos de infraestrutura voltados para o Arco Norte.
Um deles é o Ferrogrão, megaprojeto de construir uma ferrovia de Lucas do Rio Verde, no norte do Mato Grosso, até Itaituba. O projeto está previsto para licitação ainda neste semestre.
Planos para a região incluem ainda hidrovias no rio Tapajós, iniciativa que estava atrelada à construção da hidrelétrica do Complexo Tapajós. Após protestos de organizações ambientais, movimentos sociais e os indígenas da etnia Munduruku, o projeto teve a licença suspensa pelo Ibama no ano passado.
O escoamento de grãos pelo chamado Arco Norte, que abrange os estados de Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão, permite levar grãos do Centro-Oeste até a China saindo pelo Atlântico Norte e passando pelo Canal do Panamá, evitando o longo trajeto mais longo e oneroso até os portos mais saturados do Sul e do Sudeste.
A rota é mais vantajosa também para o transporte para os países da União Europeia, segundo maior compradora da soja brasileira.
A rota é a que mais cresce para o transporte da soja. De acordo com Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o escoamento do grão pelo norte teve aumento de 172,4% entre os primeiros semestres de 2012 e de 2017.
De acordo com o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, o Arco Norte garante competitividade às commodities do país no mercado externo, e na safra 2017/2017 já escoou 23,8% das 96,9 milhões de toneladas de grãos produzidos no país. Desse total, somente o corredor Tapajós escoou 2,67 milhões de toneladas.
Em nota, a pasta afirma que não pode comentar os relatórios sobre a expansão do corredor logístico do Tapajós por não ter tido acesso aos documentos.
"O ministério pode, contudo, garantir que cumpre a moderna legislação ambiental em vigência no Brasil, que inclui estudos de impacto ambiental e audiências públicas para ouvir as populações que vivem nas regiões afetadas por obras."

Expansão estratégica para agronegócio

O corredor logístico que usa o rio Tapajós como porta de saída para o oceano começou a se desenvolver em 2003, com a entrada em operação do terminal portuário construído em Santarém pela gigante norte-americana Cargill, e se acelerou após 2013, com promulgação da lei que permite a instalação de portos privados no país.
A região que vê mudanças mais expressivas é o entorno do município de Itaituba e do distrito de Miritituba, cerca de 300 km ao sul de Santarém, que ganhou o primeiro terminal portuário em 2014, da Rio Turia, representante da norte-americana Bunge no Brasil - e que teve 50% da operação comprada pela Ammagi, do ministro da Agricultura Blairo Maggi.
Outras gigantes do setor agrícola estão investindo na região, como a Cargill e a Louis Dreyfs, além da joint-venture Cianport, que tem capital chinês.


Fragmentos arqueológicos em terra preta, removidos pela terraplanagem
Image captionFragmentos arqueológicos são destruídos pela terraplanagem | Foto: ActionAid/Fase

Itaituba e Miritituba ficam em lados opostos do rio, e veem a margem verde gradualmente ser ocupada por silos e estruturas metálicas nas estações de transbordo de carga, que recebem soja trazida em carretas e despejadas nas barcaças.
No estudo "Portos no Rio Tapajós: O Arco do Desenvolvimento e da Justiça Social?", o Ibase questiona o modelo de desenvolvimento que avança na região.
O relatório calcula em 26 o total de terminais portuários a serem estabelecidos no Tapajós, contra a estimativa de 20 feito pelo relatório da ActionAid/Fase.
Diana Aguiar diz que foi difícil levantar o número de portos, afirmando que "nem organizações, nem prefeituras, nem o governo do Estado" tinham clareza de quantos terminais estavam previstos. O número leva em conta em empreendimentos em construção, em licenciamento ou ainda em fase de planejamento.

'Apresentação isolada'

Camões Boaventura, do Ministério Público Federal em Santarém, diz que falta transparência e planejamento aos projetos que vêm sendo implementados, que são apresentados de maneira isolada, dificultando o debate e o engajamento social.
"Existe mobilização, mas para a população é difícil entender todas essas iniciativas e de reagir, porque são tantas coisas separadas. Isso também dificulta a fiscalização e afasta uma avaliação ambiental integrada, compreendendo os efeitos que os projetos vão trazer em conjunto."
"A apresentação isolada vem para fugir ao controle dos órgãos e ao acompanhamento da sociedade civil organizada."


Terraplanagem
Image captionTerreno sendo terraplanado para futura instalação portuária em Santarenzinho | Foto: ActionAid/Fase

Questionado pela BBC Brasil sobre os impactos negativos, ele rebateu com uma pergunta: "Existe algum impacto positivo? Eu não consigo ver nenhum para a região".
A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas) afirma que, ao analisar projetos, realiza audiências públicas para dialogar com a comunidade e os diferentes órgãos envolvidos no processo, expondo os benefícios do projeto e propostas para compensar os possíveis impactos gerados.
Ressalta ainda que as empresas são obrigadas a detalhar os programas sociais que vão implementar como medidas compensatórias nos Estudos de Impacto Ambiental que apresentam à secretaria.
"A Semas ressalta que, desde o início dos licenciamentos das estações de transbordo na Região do Tapajós, teve a preocupação quanto à preparação do local para recebimento dos grandes projetos, considerando os impactos ocasionados na coletividade e a capacidade de suporte, controle e monitoramento da qualidade ambiental e social da região", informa a pasta em nota, dizendo que um Plano de Controle Ambiental Integrado foi criado para monitoramento "os impactos comuns".

'Arco do desenvolvimento?'

Questionando a associação dos portos do Tapajós ao desenvolvimento, o estudo do Ibase reconhece que o corredor logístico do Tapajós é parte do esforço de desafogar as exportações do agronegócio, reduzir custos de transporte e aumentar a competitividade de grãos no mercado global.
Porém, diz que o barateamento de remessas logísticas vem com alto custo para as populações locais.
"Esses portos são símbolos da concentração da riqueza para poucas empresas, principalmente estrangeiras, que não procuram Itaituba como fonte de desenvolvimento local, mas como fonte de interesses individuais e de seus acionistas", escreve o autor Jondison Cardoso Rodrigues.
"Apontam para um pequeno grupo empresarial que lucrará bilhões de dólares às custas do desmatamento, da poluição e contaminação das águas, da legalização da grilagem, concentração de terra, do desmonte de comunidades tradicionais: ribeirinhas, camponesas e indígena da região do Tapajós", conclui.
De acordo com Jane Silva, articuladora do Ibase no Pará, a construção dos terminais portuários está deslocando famílias ribeirinhas das margens do rio Tapajós, reduzindo a pesca artesanal e desestruturando áreas residenciais de Miritituba.
"Caso se confirme a implantação dos 26 portos previstos, as terras entre a margem direita do rio Tapajós e a BR-163 (por onde os caminhões chegam do Centro-oeste) serão todas reconfiguradas e colocadas a serviço da logística de exportação da soja e, futuramente, de madeira e de minério", considera Silva.

30 de agosto de 2017

Juiz federal suspende qualquer decreto sobre extinção da Renca na Amazônia


Foto _ Antônio Scorza/AFP em O Globo

Felipe Pontes – Repórter da Agência Brasil

O juiz Rolando Spanholo, da 21ª Vara Federal de Brasília, determinou a suspensão dos efeitos de “todo e qualquer ato administrativo tendente a extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca)”. A reserva foi extinta por decreto do governo federal no último dia 23 de agosto.

O magistrado atendeu a um pedido feito em ação popular aberta pelo cidadão Antônio Carlos Fernandes, segundo a qual a área de proteção não poderia ser extinta por meio de decreto, mas somente por projeto de lei, como previsto na legislação ambiental.

Spanholo destacou que o Artigo 255 da Constituição determina que áreas de proteção ambiental, e expressamente as que fiquem na região da Floresta Amazônica, só podem ser modificadas por projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo.

Após descrever o texto constitucional, o juiz afirma que “o nosso Constituinte deixou expresso que, após outubro de 1988, somente lei em sentido formal poderá impor mudanças na forma de utilização dos recursos naturais”.

A decisão liminar do juiz foi proferida ontem (29), um dia depois de o governo federal anunciar que vai revogar o decreto da semana passada, para substituí-lo por um novo, mais detalhado, no qual pretende deixar claro não ser possível a exploração mineral em áreas indígenas ou outras áreas de conservação abarcadas pela Renca.

Para o juiz, o recuo anunciado “seria apenas pontual (para explicitar garantias contra o desmatamento em massa etc.), isto é, que estaria mantido o propósito central da medida impugnada pelo autor: a extinção da Renca por meio de simples ato administrativo, sem a observância da garantia constitucional”.

Por meio de comunicado enviado à imprensa, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que vai recorrer da decisão.

Repercussão negativa

A extinção da Renca por meio de decreto gerou questionamento de ambientalistas, celebridades, da população e da mídia internacional. "Vergonha! Estão leiloando nossa Amazônia! Não podemos destruir nossas áreas protegidas em prol de interesses privados", escreveu no Twitter a modelo brasileira Gisele Bündchen dias depois da edição do decreto. Até o momento, a mensagem recebeu 9,2 mil curtidas e 6,6 mil retuites.

A área de proteção foi criada em 1984 pelo governo de João Figueiredo, último presidente do período militar. Na ocasião, foi definida a proteção da área de 47 mil quilômetros quadrados (km²), incrustada em uma região entre os estados do Pará e do Amapá.

Desde então, a pesquisa mineral e a atividade econômica na área passaram a ser de responsabilidade da Companhia Brasileira de Recursos Minerais (CPRM – Serviço Geológico Brasileiro) ou de empresas autorizadas pela companhia. Além do cobre, estudos geológicos apontam a existência de ouro, manganês, ferro e outros minérios na área.

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28 de agosto de 2017

Após críticas, governo anuncia condições para mineração em área extinta

Medida revogará decreto anterior, que extinguiu a reserva, mas manterá a extinção



Decreto sobre exploração de reserva é modificado
FOTO: REPRODUÇÃO
O governo anunciou nesta segunda-feira (28) a edição de um decreto com as regras para a exploração mineração na extinta Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca). A área, entre os estados do Amapá e do Pará, foi criada em 1984 e tem mais de 4 milhões de hectares.
Na última quarta (23), o governo publicou um decreto que extinguiu a Renca e permitiu a exploração mineral na região. Esse decreto será revogado, mas a extinção da reserva está mantida. A área tem potencial para exploração de ouro e outros minerais, entre os quais ferro, manganês e tântalo.
Segundo o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, a medida anunciada nesta segunda deixará as regras para exploração na região mais claras e preservará as reservas ambientais e indígenas.
"Por decisão do governo, sairá brevemente um novo decreto, colocando ponto a ponto como deverá ser [a exploração] a partir de agora - após a extinção da reserva mineral, preservando as questões ambientais e indígenas, sejam reservas estaduais ou federais - e poder acompanhar mais de perto a atividade na região", informou Coelho Filho.
Em seguida, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, informou que o decreto será publicado ainda nesta segunda.
Ele disse também que, com a nova medida, ficará proibida, por exemplo, a licença para exploração para quem tiver atuado na exploração mineral ilegal na reserva antes do decreto.
Críticas à extinção
Desde a semana passada, diversos setores da sociedade, como artistas e ambientalistas, têm criticado a medida do governo de extinguir a Renca.
A modelo Gisele Bündchen avaliou o decreto como uma "vergonha"; a cantora Ivete Sangalo, por sua vez, postou: "Brincando com o nosso patrimônio? Que grande absurdo. Tem que ter um basta".
Em resposta, o Palácio do Planalto chegou a divulgar uma nota para afirmar que a reserva "não é um paraíso como querem fazer parecer". Além disso, Fernando Coelho Filho convocou a imprensa para dizer que a extinção da Renca não torna "irrestrita" a atividade mineral na região.
Questionado nesta segunda sobre o motivo de o governo ter decidido editar um novo decreto, Sarney Filho disse que "houve muita confusão na percepção desse decreto por parte da sociedade como um todo". Leia matéria original do G1 aqui.

Com 14% do corpo queimado, indígena se recupera após atentado; os Pitaguary denunciam motivação política no ataque


Montagem de fotos da casa incendiada onde o indígena estava.

Crédito _ Clécia Pitaguary



Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação - Cimi

O estado de saúde de Maurício Alves Feitosa Pitaguary, mais conhecido como Mazin, é estável e sem risco de morte. Na madrugada de domingo, 27, o indígena dormia quando sofreu uma emboscada na vacaria onde trabalha, situada na aldeia Santo Antônio, Terra Indígena Pitaguary, município de Maracanaú (CE). Dois homens incendiaram com gasolina a casa onde Mazin estava. Ao tentar fugir, o indígena foi seguro, espancado e colocado de volta no local, que já ardia em chamas.

Mazin tem 42 anos e está internado no Instituto José Frota (IJF), em Fortaleza, com queimaduras de segundo e terceiro graus em 14% do corpo - concentradas nas costas e no abdômen. O hospital não divulgou um boletim médico, mas conforme os Pitaguary que o visitaram na tarde desta segunda-feira, 28, Mazin está consciente e conversando. "Está tomando banho anestésico, estão colocando curativos, ele está andando bem e se alimentando. Respirando normal. O pior já passou", relata uma indígena que prefere não se identificar. Este ano, em abril, se deu a memória dos 20 anos do martírio de Galdino Pataxó Hã-hã-hãe, que teve o corpo incendiado, em Brasília, por um bando criminoso.

A insegurança resume o momento para as lideranças Pitaguary. Os indígenas estão convictos de que o atentado teve como intuito atingir os Pitaguary, sobretudo os oriundos da família de Mazin, que se opõem a especulações imobiliárias e empresariais no território tradicional - localizado a cerca de 24 km de Fortaleza. "Temos a terra retalhada por esses interesses. Infelizmente alguns indígenas apoiam esses empresários e políticos, a elite local, mas não representam o povo Pitaguary", explica outra indígena que também não será identificada por razões de segurança. A Terra Indígena Pitaguary foi declarada com 1735 hectares, onde vivem 3765 indígenas (IBGE, 2010).

"Retalhada" significa dizer que várias porções do território estão degradadas e invadidas, gerando resistência da parte dos Pitaguary e os mais variados ardis de quem tange os interesses privados nas terras. "Maurício é irmão de uma importante liderança indígena estadual e nacional, a Ceiça Pitaguary, que, em março de 2016, também sofreu um grave ataque (...) Foram desferidos contra ela, vários golpes de facão, que lhe causou muitas lesões nos braços e na cabeça e que por muito pouco não teria sido fatal", pontuou em nota o Observatório Socioambiental, que acompanha a situação dos povos indígenas do Ceará. A indígena Ceiça Pitaguary, que integrou a direção da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entre 2012 e 2014, realizou inúmeras denúncias em Brasília sobre o assédio de políticos e empresários no território tradicional de seu povo.

Para uma outra importante liderança Pitaguary, não identificada por razões de segurança, o atentado contra Mazin se trata de uma represália. "Na última Assembleia Estadual (dos Povos Indígenas do Ceará, ocorrida no final de julho), uma nota foi feita afirmando essa luta contra os invasores da terra e dizendo que os indígenas que os defendem e estão com esses invasores não representam o povo Pitaguary. Agora esse grupo está perseguindo a Ceiça e a sua família por conta disso. Uma covardia", diz.

Em nota pública divulgada na tarde desta segunda, o movimento indígena do Ceará ressalta que "nos últimos anos, ações criminosas patrocinadas por grupos políticos da região de Maracanaú e Pacatuba, envolvendo inclusive indígenas, têm provocado terror e medo em grande parte das Comunidades Indígenas locais. Episódios de ameaças, cárcere privado, golpes de facão e agora essa brutal ação de incendiar uma casa com um parente dentro só reforça a nossa indignação pela total omissão das instituições". Na nota, o movimento enfatiza que "várias ocorrências" foram registradas em delegacias locais e levadas às autoridades competentes.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) acompanha o caso e ontem esteve com a Polícia Federal na aldeia, onde agentes tomaram depoimentos de indígenas e iniciaram as investigações. Os autores do crime ainda não foram identificados e na manhã desta segunda, lideranças Pitaguary estiveram na Superintendência da Polícia Federal, na capital cearense.

MPF/AP quer suspensão dos efeitos do decreto de extinção da Renca

Para a instituição, medida viola direitos fundamentais e pode resultar em ecocídio na Amazônia
MPF/AP quer suspensão dos efeitos do decreto de extinção da Renca
Foto ilustrativa: Fotos Públicas
Em ação ajuizada nesta segunda-feira (28), o Ministério Público Federal no Amapá (MPF/AP) pede à Justiça Federal concessão de tutela de urgência para suspender os efeitos do Decreto nº 1942 de 22/8/2017 que extingue a Reserva Nacional do Cobre e seus Associados (Renca). O MPF/AP defende que a medida adotada pela Presidência da República, além de contrariar a Constituição Federal, põe em risco a preservação do meio ambiente e fere direitos fundamentais dos amazônidas, em especial o direito à consulta prévia.
Na ação, o MPF/AP argumenta que, embora a instituição da Renca tenha tido o objetivo de proteger o patrimônio mineral da União, não há dúvidas de que também criou uma área de proteção ambiental qualificada, devido à função conservacionista de recursos naturais que possui. O órgão ressalta que, a partir da Constituição Federal de 1988, as áreas de proteção ambiental passaram a ter regime jurídico próprio para supressão ou alteração. Assim, a extinção via decreto presidencial “representa invasão da competência legislativa do Congresso Nacional, dado que apenas a este caberia desafetar ou restringir os limites de uma unidade de conservação, por meio de lei específica”.
A extinção da Renca, alerta o MPF/AP, “ameaça a diversidade biológica, o ambiente natural, a integridade das unidades de conservação federal e estadual e o modo de vida dos povos indígenas e população tradicional daquela região, tendo em vista os grandes impactos socioambientais decorrentes de atividades minerárias”.
Para o órgão, o poder público também não teve cautela quanto a antever os perigos que a extinção da Renca pode ocasionar às unidades de conservação e terras indígenas vizinhas ao permitir a instalação de empreendimentos minerários que notoriamente causam grandes impactos ambientais.
Ao agir à revelia da comunidade e lideranças indígenas locais, a Presidência da República violou o direito de consulta prévia estabelecido pela Convenção 169, da OIT. Nesse sentido, o MPF/AP enfatiza: “o Amapá não é mais um Território Federal, autarquia de natureza especial da União, sobre o qual esta pode livremente dispor. Não é mais possível a instituição de projetos como o da ICOMI (Manganês em Serra do Navio, de 1954-1997), sem que antes toda a população e estâncias políticas, econômicas e comunidade científica local possam intervir”.
O MPF/AP salienta que desconhece caso de efetivo sucesso que alie a atividade minerária à proteção da natureza, restando inegáveis prejuízos à população do entorno e ao meio ambiente local. Portanto a simples instalação de empreendimento minerário, pesquisa e lavra não significa desenvolvimento econômico e social de uma região.
Ecocídio - Para o MPF/AP, a extinção da Renca viola diversos compromissos internacionais firmados pelo Brasil, configurando-se verdadeiro “ecocídio”, pois causará a destruição em larga escala do ecossistema amazônico, com a maximização da exploração mineral de área preservada. Desde o final do ano passado, o Tribunal Penal Internacional decidiu classificar o ecocídio como crime contra a humanidade.
O entendimento do Direito Internacional foi, portanto, ampliado para proteger adequadamente o meio ambiente. “Assim, a ampliação não planejada de exploração mineral em área de proteção ambiental qualificada na Amazônia, como a Renca, ensejará grave lesão ao meio ambiente e, consequentemente, a toda humanidade”.
Renca - A Renca, instituída por decreto em 1984, corresponde a uma área de aproximadamente 4, 6 milhões de hectares. Quase metade está localizada no sudoeste do estado do Amapá, abrangendo os municípios de Laranjal do Jari, Mazagão, Pedra Branca do Amapari e Porto Grande. A reserva encontra-se encravada em região de inúmeras áreas legalmente protegidas, com destaque para a Terra Indígena Wajãpi, Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, Florestas Nacional do Amapá e Estadual do Amapá, Reserva Extrativista do Cajari, Reserva do Desenvolvimento Sustentável do Uiratapuru e Estação Ecológica do Jari. No Pará, nas Terras Indígenas Rio Paru D'Este e TI Parque Tumucumaque, que congregam as etnias Aparai Wajãpi Wayana, Ararai Katxuyana e Tiryó Wajãpi Wayana.

CNBB e coalizão de bispos de 9 países condenam abertura de área na Amazônia à mineração


Líderes das principais confederações de bispos do Brasil e de outros oito países amazônicos classificam a decisão do governo brasileiro de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), anunciada em decreto na semana passada, como "antidemocrática" e "uma ameaça política para o Brasil inteiro".
Em nota de repúdio que será divulgada nesta segunda-feira, a Igreja Católica diz que a extinção da Renca "cede aos grandes empresários da mineração" e não incluiu "nenhuma consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais foi realizada, como manda o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT)".
O documento é assinado por uma coalizão formada por aproximadamente 200 bispos católicos de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Venezuela e Suriname.
O governo do presidente Michel Temer argumenta que a extinção da Renca vai revitalizar a mineração brasileira, que representa 4% do PIB e produziu o equivalente a US$ 25 bilhões (R$ 78 bilhões) em 2016, mas que vinha sofrendo com a redução das taxas de crescimento global e com as mudanças na matriz de consumo, voltadas hoje para a China.
Os líderes católicos, em contrapartida, avaliam que o governo cedeu "às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas" e conclama deputados e senadores a se colocarem contra a decisão presidencial.
"Convocamos as senhoras e os senhores parlamentares a defenderem a Amazônia, impedindo que mais mineradoras destruam um dos nossos maiores patrimônios naturais. Não nos resignemos à degradação humana e ambiental."
A nota de repúdio, à qual a BBC Brasil teve acesso, é assinada pelos cardeais dom Cláudio Hummes (presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica - Repam e da Comissão Episcopal para a Amazônia) e dom Erwin Kräutler (presidente da Repam-Brasil e secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia).
A Repam é formada por bispos de 99 dioceses distribuídas nos nove países que têm áreas de floresta amazônica em seus territórios.
A nota foi assinada em Brasília após uma série de discussões entre as maiores lideranças da Igreja Católica no continente. Também participaram do processo entidades que fundaram a Repam em 2014, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), formado por líderes católicos de 22 países latino-americanos.
"É mais uma tremenda agressão à Amazônia e ao Brasil de consequências são irreversíveis. Exigimos a imediata sustação desse decreto iníquo", disse à BBC Brasil dom Erwin Kräutler.

Caminhos legais

A BBC Brasil apurou que bispos da CNBB e da Repam estão conversando com membros do Ministério Público sobre caminhos legais de cancelamento do decreto.
Uma possível ação conjunta entre católicos, promotores e procuradores deve ser divulgada ainda nesta semana.
A Repam é formada por bispos de 99 dioceses distribuídas nos nove países que têm áreas
de floresta amazônica em seus territórios. Foto _ Rempam
Criticado por políticos da base, ambientalistas, movimentos sociais, artistas e agora pelo alto clero da Igreja, o Ministério de Minas e Energia garante que o decreto cumprirá legislações específicas sobre a preservação da área. Ou seja, áreas de proteção integral (onde não é permitida a habitação humana) e terras indígenas serão mantidas.
Mas as lideranças católicas não estão convencidas.

"Ao contrário do que afirma o governo em nota, ao abrir a região para o setor da mineração, não haverá como garantir proteção da floresta, das unidades de conservação e muito menos das terras indígenas - que serão diretamente atingidas de forma violenta e irreversível", avalia a coalizão de bispos latino-americanos.
Dom Cláudio Hummes e dom Erwin Kräutler, signatários da carta em nome dos bispos, são membros de alas progressistas da Igreja Católica no Brasil.
Com títulos de doutor honoris causa e condecorações do Vaticano, ambos atuam em defesa de minorias em pastorais de pequenas cidades em toda a Amazônia.
"É terrível o que está acontecendo e pior ainda com a conivência e o apoio explícito do governo Temer. Temer mais uma vez está violando a própria Constituição Federal, que no seu artigo 231 exige consulta prévia aos povos indígenas quando se trata de qualquer empreendimento em seus territórios. O presidente da República não está acima da Constituição Federal. Por isso a assinatura do presidente é inconstitucional", disse dom Erwin à BBC Brasil nesta segunda-feira.
"Vivo há 52 anos na Amazônia e por isso conheço bem essa região. Lamentavelmente, mais uma vez a Amazônia é degradada a uma mera província mineral que se explora sem mínimos escrúpulos. Se explora o solo e subsolo e o que sobra no final é uma paisagem lunática de crateras. Os povos que aqui vivem não contam. São ameaçados inclusive em sua sobrevivência."
Na avaliação dos bispos, o resultado da presença da mineração é um rastro de destruição, por mais que cuidados socioambientais sejam tomados.
"Basta observar o rastro de destruição que as mineradoras brasileiras e estrangeiras têm deixado na Amazônia nas últimas décadas, com desmatamento, poluição, comprometimento dos recursos hídricos pelo alto consumo de água para a mineração e sua contaminação com substâncias químicas, aumento de violência, droga e prostituição, acirramento dos conflitos pela terra, agressão descontrolada às culturas e modos de vida das comunidades indígenas e tradicionais, com grandes isenções de impostos, mas mínimos benefícios para as populações da região", diz a nota oficial dos líderes católicos.

'Assunto amadurecido'

No último sábado, a BBC Brasil revelou que o governo anunciou o fim da Renca a donos de mineradoras canadenses em março - cinco meses antes da assinatura oficial, divulgada pelo Diário Oficial.
Após optar por não responder às perguntas enviadas pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia reconheceu em uma nota, divulgada nesta segunda-feira, que o assunto foi tema do encontro com os canadenses e disse que "o assunto já estava bastante amadurecido dentro do governo, e tratado publicamente, quando foi divulgado durante a maior feira de mineração do mundo, a PDAC, no início de março de 2017, em Toronto, no Canadá".
A pasta não comentou as críticas de não ter procurado ambientalistas, acadêmicos e movimentos sociais para discutir o tema e diz que "uma rápida pesquisa a qualquer site de buscas pode ajudar na coleta de informações corretas sobre o assunto".
Além de uma série de entrevistas, que incluiu pessoas presentes no evento, a BBC Brasil fez pesquisas tanto em ferramentas de busca quanto nos próprios registros do site do ministério.
Há apenas três referências à Renca entre o início do governo Temer e a assinatura do decreto, na semana passada. Todas as menções no site do governo são posteriores à reunião no Canadá - e o ministério não cita em nenhum momento a reserva em seu material de divulgação sobre a visita oficial de março.

'Interesses econômicos'

A nota assinada pelos bispos cita falas recentes do Papa Francisco sobre a Amazônia e que criticam "uma economia de exclusão e desigualdade".
"Há propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais", afirmou o papa em encíclica publicada pelo Vaticano em junho de 2015.
"Digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a mãe terra", disse Francisco no mesmo mês na Bolívia, em discurso a movimentos sociais, agora citado na nota de repúdio dos bispos ao decreto de Temer.
Os bispos também lembram a defesa feita pelo papa de que as comunidades tradicionais sejam ouvidas.
"No debate, devem ter lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato."
E associam o gesto do presidente Temer ao "drama de uma política focalizada nos resultados imediatos", que "torna necessário produzir crescimento a curto prazo", ambas citações do papa Francisco.
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