9 de março de 2016

Por que a relatora da ONU para índios veio ao Brasil e se opôs a mudar regra para demarcar terras

Victoria Tauli-Corpuz está em missão oficial de dez dias no país; proposta que muda lei sobre reservas 'reduz chance de os índios terem seu direito à terra reconhecido'

FOTOS _ Alex FerreirLEX FERREIRA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Bruno Lupion em NEXO

A relatora especial da ONU para os povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, chegou ao Brasil na segunda-feira (7) para uma visita de dez dias na qual avaliará a situação dos índios, a demarcação de suas terras e episódios de violência recentes contra as tribos.
Na terça-feira (8), Victoria participou de uma audiência na Câmara dos Deputados e fez críticas à Proposta de Emenda Constitucional 215, hoje o maior ponto de tensão entre índios e ruralistas. A medida transfere o poder para demarcar terras indígenas, atualmente da Presidência da República, para o Congresso.

A regra atual

A terra indígena não é concedida aos índios, mas reconhecida e demarcada, pois entende-se que ela já pertencia aos povos indígenas antes da formação do Estado brasileiro. Os principais passos para a demarcação:
  • Funai (Fundação Nacional do Índio), vinculada ao Ministério da Justiça, realiza estudos sobre a área a ser demarcada

  • Ministério da Justiça declara os limites da terra indígena

  • Presidência da República homologa a demarcação

  • Os não índios que habitam o local são retirados da terra, indenizados e reassentados


O que a PEC 215 estabelece

  • Antes do processo de demarcação, devem ser realizadas audiências públicas na Assembleia Legislativa e nas Câmaras Municipais ligadas à área

  • A demarcação será feita por meio de projeto de lei, após aprovação da Câmara e do Senado


'Chance de os índios terem direito à terra será reduzida'#

A PEC 215 tem apoio da bancada ruralista e já foi aprovada na comissão especial que analisou o texto na Câmara. Falta ainda ser aprovada em dois turnos pelo plenário da Câmara e do Senado. O governo federal tenta impedir que a proposta avance.
Na audiência pública na Câmara, Victoria disse que a aprovação do texto seria desfavorável aos índios. “Se uma emenda dessa for aprovada, a chance de os índios terem seu direito à terra reconhecido será reduzida significativamente”, afirmou.
A relatora da ONU ponderou que, sob as regras atuais, já há uma demora grande para demarcar terras indígenas. Ela contou ter ouvido de movimentos indígenas que há diversos casos pendentes de homologação pela Presidência da República.
“Se no Executivo já é muito difícil garantir o direito à terra, como será para os índios se essa autoridade for transferida para o Legislativo?”, questionou, para em seguida responder: “Se o Congresso é dominado pelo interesse de pessoas que querem comprar essas terras, a possibilidade de os índios obterem o direito à terra e protegê-la será muito pequena”.
Índio acompanha audiência com relatora da ONU na Câmara

Diálogo com parlamentares#

A relatora da ONU perguntou aos deputados presentes na audiência qual era a probabilidade de medidas como a PEC 215 serem aprovadas.
A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) respondeu: “Se for a voto, corre risco de ser aprovada, tal é a desvantagem da correlação de forças hoje”.
Erundina está “pessimista em relação ao momento que estamos vivendo” e afirmou que os movimentos sociais estão “em um período de resistência para não perderem direitos da Constituição Federal de 1988”. 
Victoria Tauli-Corpuz ficará no Brasil até o dia 17 de março e visitará diversas tribos e cidades. Nos próximos dias ela passará pelo sul da Bahia, sul do Mato Grosso e Pará. Sua assessoria diz que a agenda completa não será divulgada por razões de segurança.

O que faz um relator da ONU#

Os relatores da ONU são nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos da entidade para analisar e descrever a garantia de direitos pelo mundo. Em geral, são especialistas no tema ou integrantes de movimentos sociais. Os relatores não representam a posição oficial da ONU.
A relatora para o direito dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, é uma liderança do povo Kankanaey Igorot, das Filipinas. Ela presidiu o Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas de 2005 a 2010.
NOTA

Blog apresentando problemas, mas de forma alguma deixaremos de cobrir visita.

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