Os Munduruku iniciaram o processo de autodemarcação no território após anos sem resposta da Funai.
Por Camila Nobrega, De Berlim, Alemanha
Brasil de Fato
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Enquanto lideranças de vários países se preparam para debater acordos
sobre projetos de mitigação do aquecimento global que afetam
diretamente áreas de floresta – como a Amazônia brasileira – povos
tradicionais silenciados neste processo lutam para garantir autonomia
nesses territórios. É o caso do povo Munduruku, da região do Médio
Tapajós, que receberá um prêmio pelo projeto de auto-demarcação do
próprio território em uma das programações paralelas à conferência, que
começa na próxima segunda-feira, 30 de novembro, em Paris.
Os Munduruku estão entre os 21 vencedores do Prêmio Equador,
cujo objetivo é ressaltar alternativas locais que combinam soluções
para pessoas e a natureza. A cerimônia de entrega do prêmio, organizado
pela ONU, será no dia 7 de dezembro. O povo Munduruku iniciou o processo de auto-demarcação no território,
após anos de espera sem ações por parte da Fundação Nacional do Índio
(Funai). Como a terra indígena está na reta de interesses econômicos,
como a previsão da construção da usina hidrelétrica de São Luis do
Tapajós, a demarcação oficial da terra indígena Daje Kapap Eypi está
paralisada. O território reivindicado, e há gerações ocupado pelo povo
indígena, está localizado nos municípios de Itaituba e Trairão, oeste do
Pará. O local fica a poucos quilômetros da área prevista para a
construção da usina de São Luiz do Tapajós, de 8.040 megawatts.
Marquinho
Mota, representante do Fórum da Amazônia Oriental, esteve presente esta
semana em um debate sobre “Floresta, Direitos, Emissões – Povos
tradicionais da Amazônia e a política climática internacional”, em
Berlim, e questionou:
- Aí dizem que energia hidrelétrica é
energia limpa. Uma energia que começa desse jeito pode ser chamada de
limpa? - perguntou Marquinho durante o debate no Instituto
Ibero-americano, no centro de Berlim, capital alemã, no último dia 24 de
novembro.
Auto-demarcação começou em 2014
Linhas
fronteiriças podem parecer apenas abstrações de um território real,
vivido no dia a dia, mas há situações em que elas podem gritar
sobrevivência e se tornar instrumento de autonomia. E é exatamente por
sua importância que elas são constantemente negadas e invisibilizadas,
tornando-se motivo de conflitos Brasil afora. Foi percebendo isso que o
povo Munduruku resolveu, há pouco mais de um ano, começar um processo
árduo e bastante ousado de auto-demarcacao do próprio território. Facões
e GPS em punho (sim, porque a tecnologia também pode auxiliar o
conhecimento tradicional), mais de 60 indígenas Munduruku se
voluntariaram a se embrenhar na mata na região do Médio tapajós para
iniciar a tarefa em conjunto. Nesse processo, homens e mulheres
dividiram tarefas. As Guerreiras Munduruku, grupo de mulheres da etnia
que vivem e lutam na região, têm protagonismo no processo e na documentacao da autodemarcação.
O
Movimento Munduruku Ipereg Ayu vive sob tensão com medo de que parte
das terras onde habitam sejam inundadas para a construção de, pelo
menos, nove barragens na bacia do Tapajós. Algumas comunidades da região
possuem terras demarcadas, mas existem outros grupos em aldeias como a
Sawre Muybu ao longo do médio curso do Tapajós próximo ao município de
Itaituba, que não possuem o título da terra. Estes territórios são os
mais ameaçados. Sem regularizar a situação, o governo brasileiro e os
poderes econômicos locais, como o agronegócio em aliança com grupos
internacionais, se tornam coniventes com as ameaças de violência e
diversas violações de direitos às quais os indígenas estão submetidos
atualmente.
Frente a uma plateia composta majoritariamente por
europeus, Marquinho foi aplaudido ao explicar o processo de
autodemarcação e a negativa dada pelo povo Munduruku a outras
iniciativas de ajuda financeira, como o projeto de REDD (Redução de
Emissões por Desmatamento e Degradação), que seria feito com uma obscura
empresa irlandesa denominada Celestial Green Ventures. Por US$ 4
milhões divididos ao longo de 30 anos a empresa teria os direitos de
comercializar créditos de carbono daquela área da floresta.
“Esses
projetos de REDD (mecanismos que mais uma vez será debatido na COP-15)
violam direitos dos povos tradicionais. A ideia é a floresta ficar
preservada, mas o caboclo e o índio, por exemplo, perdem o direito de
tirar uma palha para construir casa. Não queremos perder nosso direito à
floresta para empresas internacionais poderem poluir livremente na
Índia ou sei lá aonde”, afirmou Marquinho Mota.
Quilombos lutam por visibilidade na luta por justiça ambiental
Assim
como os povos indígenas, movimentos quilombolas estarão presentes em
Paris, na tentativa de construir uma resistência às propostas de
preservação ambiental que atropelam direitos das comunidades
tradicionais. Ana Cláudia Mumbuca, quilombola da região do Jalapão, no
Tocantins, também esteve presente no debate em Berlim e ressaltou o
momento difícil que o Brasil vive, em uma luta diária contra retrocessos
no Congresso: “Não podemos deixar que tirem os direitos dos povos
tradicionais em nome do que chamam de preservação ambiental. Se o nosso
território está preservado não foi apenas porque a natureza se manteve,
mas porque existe trabalho humano ali, diário e integrado ao meio
ambiente.”
Ana fez uma comparação com o trabalho das abelhas, que
foi preservado ali. “Nós também somos as abelhas que polinizam a
floresta e isso não é levado em consideração.”
São as abelhas que
dão inclusive nome à região. Mumbuca é referência a uma abelha azul
muito comum naquela localidade do Jalapão. O lugar se tornou famoso em
textos sobre turismo na região do Tocantins e artesanato feito por
mulheres com o capim dourado. Mas pouco se fala sobre os conflitos de
terra a que as quilombolas e os quilombolas Mumbuca estão expostos nesse
território, a cerca de 30 quilômetros do município de Mateiros, numa
área próxima à rodovia TO-110. Junto com outros povos do Cerrado, eles
lutam para dar visibilidade à degradação desse bioma, especialmente
devido ao agronegócio que ocupa grandes faixas da região, criticando
mudanças propostas na legislação, como a polêmica PEC 215.
Lutando
contra a falta de espaço no debate público e na mídia, quilombolas e
indígenas do Tocantins também iniciaram processos autônomos, por meio de
instrumentos como a cartografia social. O objetivo é dar espaço à
narrativa da população local.
Durante o debate, Ana mencionou a
Marcha das Mulheres Negras que ocorreu pela primeira vez em Brasília, no
dia 18 de novembro, reunindo mais de 20 mil mulheres. Ela contou sobre
as ofensivas contra a marcha, por parte de grupos políticos
conservadores do país e a repressão enfrentada pela ação da Polícia
Militar. Recebeu o apoio direto de uma companheira do movimento negro de
Camarões e foi aplaudida longamente pela plateia. Ana Mumbuca e
Marquinho Mota participam de uma extensa agenda na Alemanha e seguem
para a Áustria. Ler original AQUI.
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