"Eu liguei no gabinete dele [Eduardo Cunha] para reclamar, mas não deram bola e disseram que qualquer índio é índio, que todos somos iguais, e não é bem assim. Cada um de nós tem uma imagem a zelar. Eu trabalho na área da educação há 11 anos e não quero o meu nome ligado à política", argumenta Ubiratã.
O cacique Ubiratã Jorge de Souza Gomes, chefe da Aldeia do Bananal, em Peruíbe, no litoral de São Paulo, entrou na Justiça contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). De
acordo com o processo, o cacique afirma que a imagem do político foi
relacionada à sua de maneira negativa em dois sites que usaram a foto
dele para ilustrar uma reportagem na qual ele não é citado. O cacique
afirma que as imagens foram enviadas pela assessoria de Cunha e, além
disso, alega ter sido ofendido pela equipe do deputado ao fazer uma
reclamação formal.
Procurado pelo G1 para comentar o processo, Cunha não
se posicionou até a publicação desta reportagem. A audiência sobre o
caso está marcada para esta quinta-feira (19) no Fórum de Peruíbe.
A polêmica começou em fevereiro deste ano, quando dois sites de notícia
usaram uma foto do cacique em uma matéria sobre o apoio do chefe do
Legislativo Federal à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que
altera regras para a demarcação de terras indígenas. O problema, segundo
Ubiratã, é que ele não participou de qualquer reunião sobre o tema e é
contra a emenda.
Documento com 'foto' do site foi registrado em cartório (Foto: Reprodução / Ata Notarial) |
Questionado sobre o motivo da ação, o advogado que representa o índio,
Enio Pestana Junior, disse o cacique teria sido ofendido pela assessoria
do deputado quando ligou para reclamar da imagem utilizada
irregularmente.
“Quando vi a minha foto relacionada à 'guerra', sendo que não fui
convidado nem participei da reunião, minha reação foi de total
indignação. Eu liguei no gabinete dele [Eduardo Cunha]
para reclamar, mas não deram bola e disseram que qualquer índio é
índio, que todos somos iguais, e não é bem assim. Cada um de nós tem uma
imagem a zelar. Eu trabalho na área da educação há 11 anos e não quero o
meu nome ligado à política”, argumenta Ubiratã.
O advogado fotografou a publicação, pediu que os sites retirassem as
imagens do ar e, no mês de março, registrou um documento em cartório
comprovando o ocorrido.
Índios foram ao Congresso para pedir o arquivamento da PEC (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
O advogado alega ainda que a imagem do índio foi utilizada fora de
contexto, porque ele não participou do encontro realizado com o deputado
em fevereiro deste ano, em Brasília.
Cacique pede indenização a Eduardo Cunha
(Foto: Arquivo Pessoal)
(Foto: Arquivo Pessoal)
“A foto que usaram na matéria é antiga e não tem nada a ver com o
propósito. Colocaram uma frase do Eduardo Cunha, como se o Ubiratã
estivesse travando uma guerra com os políticos, e não é nada disso.
Claro que a proposta é uma afronta à comunidade indígena de todo o país,
mas não foi o Ubiratã quem disse, e isso fere a imagem do povo dele.
Estamos pedindo indenização por perdas e danos, materiais e morais”,
afirma.
O cacique, representante do povo tupi-guarani no Estado, é formado em pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP).
Além do uso indevido da imagem, Ubiratã entende que houve um suposto
favorecimento à bancada ruralista, que foi a favor de desarquivar a PEC
das Terras Indígenas.
"Estou com a minha imagem completamente distorcida perante aqueles que
conhecem minha vida, como também toda a minha batalha diplomática em
defesa de nosso povo indígena. Hoje, lutamos não mais com o arco e
flecha, mas sim por meio do conhecimento das leis que nos amparam como
sociedade", acrescenta o cacique.
Cacique Ubiratã, em Peruíbe (Foto: Rodrigo Petterson/Arquivo Pessoal)
Em Brasília
A discussão ganhou repercussão em fevereiro deste ano, quando o cacique Nhaket Mekrangnotire, representante do povo Kayapó, que vive no interior do Pará, se reuniu com Eduardo Cunha em Brasília e, contrário à emenda, disse que o presidente da Câmara “queria destruir os índios”.
Eduardo Cunha se reuniu com índios em Brasília, em fevereiro (Foto: J.Batista/Câmara dos Deputados)
Para a comunidade indígena, Cunha demonstrou apoio e favorecimento à
bancada ruralista do Congresso, prejudicando a história e a cultura do
povo nativo do Brasil, que tem nas terras o sinônimo de vida.
“Vocês são eleitos nas cidades e, em vez de ficarem de bem com todo o
povo brasileiro, com os negros, com os índios, vocês querem destruir o
povo do interior, querem destruir os índios. Podem até conseguir acabar
com a gente, mas vai ter muito sangue derramado. Estamos aqui para
pedir: não vote essa PEC”, disse à época o cacique paraense a Cunha, com
a ajuda de um intérprete.
Durante o encontro, Eduardo Cunha afirmou ao grupo que o Regimento
Interno da Câmara não permitia que o presidente impedisse o
desarquivamento do texto, se isso for cobrado, mas garantiu que iria
oferecer “todas as condições de diálogo” para que as lideranças
indígenas fossem ouvidas.
O que é a PEC-215?
A PEC-215, que foi alvo de diversas manifestações índigenas contrárias à proposta, foi aprovada no dia 27 de outubro por uma Comissão Especial da Câmara. O texto ainda tem que ser votado pelo plenário da Câmara e pelo Senado.
A proposta proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e fixa o
dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, como
marco temporal para definir o que são terras permanentemente ocupadas
por indígenas e quilombolas. O texto também prevê indenização para
proprietários ou possuidores de áreas inseridas em terras indígenas
demarcadas.
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