13 de fevereiro de 2015

TRF3 suspende decisão da justiça federal em Dourados que fixava prazo de 30 dias para conclusão de demarcação de terras pela FUNAI

Âmbito Jurídico

Em recente decisão em recurso de Agravo de Instrumento, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) suspendeu decisão proferida pela Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, em Dourados, relativa à demarcação de terras indígenas.


Francesca Musci


 Em ação de execução de obrigação de fazer por título extrajudicial, destinada a garantir o cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 2008, que consubstancia os trabalhos de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas na região centro-sul de Mato Grosso do Sul, o juízo de primeiro grau, na intenção de proteger os direitos tanto dos índios como dos proprietários de terras por esses ocupadas, que, presume-se, tenham adquirido seus títulos legitimamente, determinou que a FUNAI e a União procedam, no prazo de 30 dias, aos atos administrativos necessários para as demarcações previstas no TAC.

Em lugar de fixar multa pelo descumprimento, a decisão atacada prevê o pagamento de arrendamento, pelo valor de mercado, aos proprietários das terras ainda não demarcadas e ocupadas pelos indígenas de forma irregular. A decisão pretende abranger ainda ocupações futuras, ocorridas após seu proferimento.

Os pagamentos relativos ao arrendamento deverão incidir desde a intimação da FUNAI e da União sobre o teor da decisão e deverão perdurar até a completa realização das demarcações. O não pagamento de tais valores deverá ensejar o bloqueio orçamentário de recursos necessários a este fim.

O juízo de primeiro grau em Dourados determinou ainda a intimação do ministro da Justiça para o cumprimento de sua decisão no prazo de 30 dias, sob pena de envio de ofício ao procurador-geral da República para apuração de crime de responsabilidade.

A FUNAI, subscritora do recurso de agravo de instrumento, pede a reforma da decisão sustentando que, ao caso em questão se aplica a teoria da reserva do possível, que reconhece ao agente público a necessidade de fazer escolhas frente a demandas que superam os recursos, mantendo, assim, limites de razoabilidade e proporcionalidade ao controle judicial das omissões administrativas; que, pelo mesmo princípio, a concretização dos direitos fundamentais está condicionada à existência de disponibilidade financeira do Estado; que a determinação de pagamento de arrendamento, pelo valor de mercado, aos proprietários de terras ainda não demarcadas e ocupadas por indígenas é flagrantemente inconstitucional, pois implica forma de indenização não prevista na Carta Magna, além de ser inexequível, por depender de levantamento fundiário; que é também inconstitucional o bloqueio de recursos destinados à FUNAI para indenizar os proprietários de terras ocupadas pelos índios como meio coercitivo para cumprimento da ordem judicial.

A decisão do TRF3 observa que a posse indígena, configurada como peculiar, dada sua conformação jurídico-constitucional no direito brasileiro, merece proteção do estado, competindo à União demarcar as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, bem como proteger e fazer respeitar todos os seus bens, conforme previsão constitucional. No entanto, a demarcação de terras indígenas deverá ser precedida de trabalho de identificação da área, sob iniciativa e orientação do órgão federal de assistência ao índio (FUNAI). É inegável a responsabilidade da União e da FUNAI na garantia dos direitos fundamentais da população silvícola.

Ocorre que, no caso, diz o relator, o prazo de 30 dias para que a FUNAI promova a demarcação afigura-se excessivamente exíguo para cumprimento, levando-se em conta a complexidade do processo demarcatório e a extensão da área objeto da demarcação (região centro-sul do estado de Mato Grosso do Sul, cerca de 12 milhões de hectares), área notoriamente povoada e produtiva.

A esse respeito, assim se manifesta o TRF3: “Ainda que se leve em consideração o tempo decorrido desde a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta-TAC pela FUNAI (cerca de sete anos), não se afigura possível dizer, num exame inicial, que a agravante quedou-se inerte ou foi desidiosa no referido interregno temporal, considerando que, não obstante a falta de recursos financeiros e materiais, vem procurando cumprir o avençado (v.g. edição das Portarias ns. 788 e 793 da FUNAI para a constituição de Grupos de Trabalho) e, além disso, fatos externos, não ocasionados pela agravante, - como decisões judiciais que impuseram prévia notificação de terceiros que ocupavam áreas a serem visitadas pelos grupos técnicos, atrasando a demarcação – terminaram por afetar o cronograma de entrega dos trabalhos da autarquia, justificando, assim, o descumprimento de cláusulas do TAC, o que deu ensejo à presente ação de execução de título extrajudicial, aflorando desproporcional, nesse contexto, o prazo de trinta dias para que conclua todo o processo demarcatório.”

De acordo com o tribunal, também não parece plausível a possibilidade de pagamento de arrendamento, já que este é um contrato de natureza bilateral que dependeria da anuência dos proprietários das terras ocupadas pelos índios, o que não se evidencia na hipótese trazida a exame, já que a Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul – FAMASUL, na qualidade de representante dos produtores rurais a ela filiados, também recorreu da decisão neste recurso discutida, destacando a impossibilidade de concretização do arrendamento.

A esse respeito, observa o relator: “Não se vislumbra, em outro giro, como poderia ser a União compelida a firmar contrato de arrendamento rural – de natureza particular, dependente de sua vontade -, ainda mais se nem há elementos para definir, nos autos subjacentes, quais seriam as áreas ‘irregularmente’ ocupadas pelos indígenas e, consequentemente, a quem se pagaria o arrendamento, tornando a decisão de difícil cumprimento com exatidão, o que, na prática, poderia dar azo a eventuais pagamentos indevidos, causando prejuízo ao erário.”

Não cabe, ainda, a determinação de bloqueio orçamentário da União e da FUNAI para pagamento do aludido arrendamento, que encontra barreira nas regras de execução contra a Fazenda Pública, baseada no sistema de liquidação de débitos pela expedição de precatórios, sendo vedada a penhorabilidade de seus bens em qualquer hipótese. Eventual bloqueio de verba orçamentária produziria lesão de grave potencial ofensivo ao ente público, considerando que vulnera a ordem pública estabelecida (art. 100 da Constituição Federal).

Com estes argumentos, o TRF3 suspendeu a decisão do juízo federal de Dourados, ressalvando, contudo, que isso não impede que a União ou a Funai, de modo próprio ou por decisão judicial dada em outro processo, procedam aos estudos demarcatórios e aos atos subsequentes.

A decisão está amparada por precedente jurisprudencial do TRF5.
No tribunal, o processo recebeu o nº 2015.03.00.001526-0/MS.

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