Indígenas Munduruku com pedras para formar a frase Tapajós Livre em uma praia às margens do rio em protesto a construção da Usina Hidrelétrica de São Luis . Foto _ Bruno Kelly/Greenpeace |
O setor energético brasileiro entrou janeiro imerso em crise, não somente ética, mas também técnica. Os dois problemas são históricos.
O primeiro, relativo à ética, diz respeito aos impactos ambientais e sociais dos projetos de construção de usinas hidrelétricas na Amazônia, refletindo negativamente nas comunidades indígenas e ribeirinhas.
O segundo se refere ao planejamento técnico com relação a construção de tais hidrelétricas, em que nos períodos de estiagem a produção de energia se torna insuficiente. “É muito fácil para um governo que tem demonstrado absoluta incompetência na gestão energética, que relegue a ‘São Pedro’ seus problemas. Isso faz com que a população acabe entendendo que são problemas da natureza, que fogem do nosso controle”, aponta Célio Bermann em entrevista por telefone à IHU On-Line.
Soma-se a isso o aumento das tarifas de energia elétrica, o corte seletivo no abastecimento de luz, cujas populações pobres são as mais afetadas, e a aposta do Estado no crescimento industrial do setor eletrointensivo, sob a justificativa de superar uma recessão econômica que vem sendo alardeada desde a nomeação do novo grupo de ministros. Frente a esse cenário, o professor não vê alternativas senão uma mudança de paradigma. “O nosso modo de consumo precisa ser reconsiderado. Isso exige do Brasil e do mundo um debate que ainda hoje não está devidamente estabelecido. Nós estamos discutindo o futuro do planeta, as dificuldades com os combustíveis fósseis em função das mudanças climáticas, e essa discussão toda tem pertinência, mas deve ser acompanhada pela questão de fundo que é o tipo de sociedade que a humanidade quer constituir e consolidar para as gerações futuras”, argumenta. “Continuarmos no mesmo barco que hoje estamos não tem saída. Não há alternativa sob o ponto de vista ecológico, econômico e ambiental”, completa.
“A qualificação do que está acontecendo com os povos indígenas, seja em função de obras hidrelétricas, com os Araras, com os Kaiapós, no Rio Xingu, e a ameaça que passa a ser irreversível para os Mundurukus na bacia do Tapajós, mostram que a qualificação pode ser etnocídio, genocídio, que são termos fortíssimos e que têm sido utilizado por lideranças indígenas com quem eu tive oportunidade de ouvir”, relembra Bermann. “Se a forma de submissão que nos caracteriza persistir, está claro que não existem outras alternativas”, enfatiza.
Célio Bermann é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo.
Também é autor de diversas publicações, entre as quais citamos Energia no Brasil: Para quê? Para quem? – Crise e alternativas para um país sustentável (São Paulo: Ed. Livraria da Física/FASE, 2002); e As novas energias no Brasil: Dilemas da inclusão social e programas de Governo (Rio de Janeiro: FASE, 2007). Confira a entrevista.
IHU On-Line – Recentemente a Aneel informou que a bandeira tarifária da energia elétrica a partir de janeiro de 2015 passou a ser a vermelha, com maior custo ao consumidor, pois o volume de água nos reservatórios é menor. Passados dois anos da aprovação da MP 579, que contradições se tornam mais evidentes?
Célio Bermann – Eu tive a oportunidade de conceder uma entrevista ao IHU logo depois da edição da MP 579 em que eu já prognosticava o que ia acontecer. Que a ausência de Estados importantes para o sistema de produção e distribuição de energia elétrica, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná, não por coincidência, administrados pelo PSDB, traria uma implicação política indesejável. Foi uma medida que não teria como se sustentar do ponto de vista econômico e financeiro. Exigiria recursos do tesouro nacional e que de forma indireta, e não vamos esquecer que sempre que os recursos se referem a Tesouro Nacional, Banco Nacional do Desenvolvimento Social – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, não são bancos, não é dinheiro que vem das árvores, mas do nosso bolso, é o contribuinte que acaba sendo onerado por esse tipo de situação.
O que estamos vivenciando hoje é um Governo que tenta apagar um incêndio que ele mesmo provocou. A MP 579 foi adotada de uma forma absolutamente intempestiva. Quando toda a lógica, inclusive econômica e financeira, apontava cuidados para os riscos que seriam incorridos com a arbitrariedade que a MP 579 nos foi imposta, pelo governo Dilma-Sarney. Os expedientes como “bandeira tarifária” são alegorias para o marketing das ações do governo, mas que não têm nenhuma fundamentação a não ser tornar mais penalizado o consumidor de energia elétrica. São situações vivenciadas há muito tempo. Não é por acaso que o sistema elétrico brasileiro, que depende três quartos da fonte de energia de geração da hidroeletricidade, portanto não é nenhuma novidade situações de estiagem que provocam a redução dos volumes de energia que podem ser produzidos através das cerca de 200 usinas hidrelétricas com mais de 30 megawatts, que hoje operam no Brasil. Destas, cerca de 100 Usinas Hidrelétricas têm potência superior a 100 megawatts.
IHU On-Line – Então esta questão toda do aumento das tarifas não é um efeito colateral, mas planejado?
Célio Bermann – É muito fácil para um governo que tem demonstrado absoluta incompetência na gestão energética, que relegue a “São Pedro” seus problemas. Isso faz com que a população acabe entendendo que são problemas da natureza, que fogem do nosso controle. É verdade que uma estiagem prolongada como essa que está acontecendo, não apenas em alguns Estados, e ocorre de uma forma bastante ampliada, gera problemas. Embora o nível de reservatórios seja agora constantemente publicizado, as informações disponibilizadas não são possíveis de serem aferidas e confirmadas (sempre questiono os índices apresentados pelo órgão regulador, mas não estou dizendo que duvido, porém não temos condições de comprovar a veracidade das informações que nos são repassadas).
Vou dar um exemplo aqui da Região Metropolitana de São Paulo que sofre de uma forma incisiva a falta de coordenação do governo do Estado de São Paulo com a gestão da água e do problema que é hoje a restrição hídrica, não só da região, mas de todo o Estado. Apesar das últimas chuvas torrenciais, em pontos localizados, a própria imprensa noticia a felicidade de ter chuvas torrenciais no reservatório do Sistema Cantareira e no dia que se sucedem às chuvas, os indicadores que são publicizados revelam que ou os reservatórios mantiveram a mesma quantidade de água, de 8% a 10% da capacidade, o que é bastante reduzida, ou até diminuíram.
É a forma que o governo de São Paulo tem de manipular a opinião pública deixando-a em pânico, ao mesmo tempo que afirma que não há necessidade de racionamento, quando o racionamento existe desde junho de 2014 e, ao mesmo tempo, preparar a opinião pública sobre a necessidade de economia da água através da divulgação de informações que os reservatórios continuam vazios. Então essa desinformação transcende não só o sistema elétrico, mas também o sistema de gestão de água no nosso país.
Essa desinformação não é aleatória, não resulta da incompetência dessas áreas de serviços públicos. Ela é a forma hoje com que empresas e governos, sejam estaduais ou federais, tratam de assuntos que têm uma influencia direta e incisiva na qualidade de vida das populações. Todos nós precisamos de água e precisamos de energia elétrica em função das necessidades que nos são impostas pela chamada modernidade. Somos então, totalmente dependentes do fornecimento de energia elétrica, e da água, e a ausência deste fornecimento nos determina situações extremas de redução da qualidade de vida de uma forma bastante rigorosa.
Então para voltar ao assunto da bandeira tarifária, que foi o assunto tratado inicialmente. É o bolso do consumidor de eletricidade no Brasil que está em jogo. Não nos esqueçamos que a tarifa já é, comparativamente a outros países, uma das mais caras do mundo. Isso diz respeito, inclusive, ao sistema produtivo, ás indústrias que necessitam da energia elétrica para a sua produção. Tarifas extremamente altas, que segundo vamos acompanhando junto à imprensa, terão aumento de valores superiores a 30%. Alguns cálculos, dependendo da companhia concessionária, podem chegar até 50% em relação a tarifa que estava vigente até 2014. É o consumidor que está pagando pelos erros com que governos e empresas que prestam os serviços de geração e distribuição de energia elétrica estão repassando para a população, infelizmente.
IHU On-Line – E por que isso ocorre, mesmo o Brasil tendo mais de cem usinas hidrelétricas de grande porte?
Célio Bermann – É uma discussão antiga que eu tenho com o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB quando ele cita que temos duas mil usinas hidrelétricas no Brasil. O número atual correto é de 1.159 usinas (fonte: BIG-Banco de Informações de Geração da Aneel). Nós temos um número grande de micro usinas chamadas de Centrais Geradoras Hidrelétricas, (com até 1.000 quilowatts; as Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs como até 30.000 quilowatts; e depois as usinas superiores a capacidade das PCHs chamadas UHEs). São números vigorosos em função da proeminência da geração de energia elétrica a partir da água no país.
Entretanto, se temos cerca de três quartos da geração a partir de usinas hidrelétricas, e esta forma de geração é considerada como a mais barata, porquê temos uma das tarifas mais caras, e essas tarifas ainda vão sofrer nos próximos dois a três anos, acréscimos da ordem de 30ª 50%?
IHU On-Line – Em que categoria se enquadram as usinas hidrelétricas de grande porte, as quais o senhor destaca que o Brasil possui mais de cem unidades? Elas teriam capacidade de atender qual população?
Célio Bermann – Eu faço referência a usinas com mais de 100 megawatts de potência. Mas com relação à população que pode ser atendida, essa conta precisa ser vista com bastante cuidado. É complexo, pois uma coisa é a potência – capacidade de produção – e outra é a energia – quilowatts/hora. O fator de capacidade de usinas hidrelétricas no país é na média, de 55%. Entretanto, afirmar que uma determinada usina hidrelétrica tem a capacidade de atender “milhões de domicílios” ou “milhões de brasileiros” é falso. O consumo domiciliar é da ordem de 25%. A esse consumo devem ser agregados os demais setores de consumo: industrial, comércio e serviços, público, entre outros.
Isso tem sido utilizado de uma forma insidiosa para poder propagandear, dirigir para o público de uma forma geral, que o projeto de grandes usinas hidrelétricas – inclusive as que estão sendo construídas hoje nos rios da Amazônia – são imprescindíveis e que atendem “milhões de domicílios e milhões de brasileiros”. Então isso é uma forma, fantasiosa, mentirosa, de propagandear os eventuais benefícios da geração hidrelétrica.
Isso porque, o consumo de energia elétrica se distribui no nosso país da seguinte forma: 50% da energia elétrica é consumida pelo setor industrial. Isso já define o perfil de desenvolvimento econômico que cada vez mais o Governo e empresas vão privilegiando e reforçando. Em função do modelo de desenvolvimento industrial e econômico, chamo a atenção para o fato de que a metade do consumo industrial corresponde a apenas seis setores.
No Brasil, há um problema muito grande que é o fato destes setores serem eletro-intensivos, são setores que consomem muita energia para cada unidade produzida. Estamos falando de seis setores: cimento, produção de aço, alumínio (metais não-ferrosos), ferro-ligas (ramo da metalurgia), petroquímica e, por último, o setor de papel/celulose. Esse grupo é responsável pelo consumo de ¼ da energia produzida no Brasil.
Quando a gente encontra dizeres de que “a Usina Hidrelétrica de São Luis do Tapajós tem capacidade de gerar energia para mais de 14 milhões de moradores, nós estamos recebendo uma informação falsa, destituída de fundamento e que apenas alimenta a propaganda e a obsessão em se construir usinas hidrelétricas no país.
Depois da usina de Belo Monte no rio Xingu, principal projeto do Governo para a expansão da produção de energia elétrica da Amazônia, são as usinas previstas no rio Tapajós. O que a ação desse marketing faz? Traz ao público a necessidade de sua construção, pega a potência instalada do projeto, faz um cálculo de quantos domicílios poderiam ser atendidos, dando a falsa ilusão de que tantos domicílios da população brasileira é que vão consumir a energia elétrica, com a falsa impressão que isso vai melhorar a qualidade de vida da população, e que isso também vai ser importante para o crescimento econômico.
Para quem vai a energia?
Porém não fica evidenciado que esta energia tem 50% de probabilidade de ir para a indústria, e que a metade desta indústria é constituída por setores eletrointensivos, cujo principal objetivo é produzir produtos para o mercado internacional, através da exportação com alto conteúdo energético.
Tomemos como exemplo o alumínio primário. O Brasil produz atualmente cerca 1,6 milhão de toneladas de alumínio, e cada tonelada de alumínio produzida exige por volta de 15.000-16.000 quilowatts/hora.
Consideremos que um domicílio, em média no Brasil, gasta cerca de 155 quilowatts/hora por mês, ou 1840 quilowatts/hora por ano. Essa é uma média pois não considera os domicílios de alto poder aquisitivo, que consomem muito mais. Isso sem contar Estados mais pobres, como o Maranhão, onde o consumo domiciliar médio por mês é de 80 quilowatts/hora. Trata-se de um consumo que ainda é baixo no Brasil, em função do nível de renda do conjunto da população que ainda é pequeno. Não vamos nos esquecer disso! Dessa forma, os consumidores de energia elétrica convivem com a propaganda que é feita para cada uma das usinas que vem sendo propostas.
Então a conta, que responde à pergunta, deve ser feita assim: se a tonelada de alumínio consome 15.000-16.000 quilowatts/hora e uma família consome, em média 1.840 quilowatts/hora por ano, o fato é que a produção anual de alumínio primário no país é da ordem de 24 bilhões de quilowatts/hora, equivalente ao consumo médio anual de 13 milhões de domicílios.
A conta que deve ser publicizada é quanto de energia elétrica que está sendo consumida pelo país está indo para o uso domiciliar. Os dados oficiais do Balanço Energético Nacional (MME, 2014) indicam que apenas cerca de 25% vai para os domicílios. Isso para parar de propagandear, que “a usina X é necessária porque fornecerá energia elétrica para X milhões de habitantes”.. Isso é uma inverdade, porque o consumo domiciliar no Brasil é da mesma ordem dos seis setores que mais consomem, da ordem dos 25%, ou seja, apenas ¼ da produção dessa usina que “deve ser construída” vai alcançar os domicílios.
Sistema elétrico
O sistema elétrico funciona como um pulmão, onde cada elétron que é produzido vai onde ele é chamado. E a probabilidade da corrente elétrica ir para um domicílio é de apenas 25%. Trata-se de definir prioridades para o atendimento. E o Governo está priorizando o atendimento para a produção industrial eletrointensiva, com consequências desfavoráveis para a economia do país, pois se tratam de produtos de baixo valor agregado e alto conteúdo energético.
Várias destas indústrias eletro-intensivas são de capital transnacional. Várias destas fábricas produzem, única e exclusivamente, para a venda de seus produtos no mercado externo. Isso diz respeito a algo importantíssimo, que venho chamando atenção há tempo, que é a necessidade de discutirmos política energética e política industrial, coisas, estas, que não são separadas.
A forma como o governo, mas não somente o atual, todos os anteriores também, conduz a política energética é como uma caixa preta, em que a população não tem acesso aos processos decisórios, onde as decisões atendem a interesses de poucos, via de regra as construções de grandes hidrelétricas atendem aos interesses das empreiteiras e o exemplo mais evidente deste tipo de orientação é a Usina de Belo Monte.
IHU On-Line – Como se caracteriza o sistema elétrico brasileiro?
Célio Bermann – O sistema elétrico brasileiro se caracteriza por ser extremamente extenso, o que não deixa de ser favorável, em função do esforço histórico de interligar sistemas e promover o intercâmbio inter-regional.
IHU On-Line – Como o senhor avalia o apagão ocorrido no dia 19 de janeiro?
Célio Bermann – O evento da tarde do dia 19 de janeiro, quando o Operador Nacional do Sistema – ONS determinou a empresas concessionárias de distribuição de energia de dez Estados o corte no fornecimento para “alívio de carga do sistema”, evidenciou, na minha opinião, ao menos cinco problemas graves:
1- O sistema elétrico nacional parece estar operando no seu limite. Apesar da nota do ONS, posteriormente divulgada, assinalar que houve um “problema técnico” com a interrupção do fornecimento de energia do sistema Norte-Nordeste para o sistema Sudeste (principal centro de carga do país) o que significaria que o sistema de geração opera com folga. No dia seguinte (20 de janeiro) o próprio ONS determinou a importação de energia da Argentina, o que desmentiu a sua afirmação anterior.
2- Os diversos agentes do setor (ONS, Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, Ministério de Minas e Energia – MME) não estão conversando entre si. Perguntados pela mídia nacional, durante a interrupção do fornecimento, o MME e Aneel nada sabiam e nada disseram, remetendo ao ONS a tarefa de dar à população brasileira as explicações sobre do ocorrido. O que é inadmissível!
3- O corte no fornecimento de energia é seletivo. Cada concessionária procede ao desligamento seletivo dentro da sua área de concessão, desligando as pontas do sistema, isto é, as regiões periféricas, o que acentua o caráter da distribuição desigual de renda, pois as pontas do sistema, via-de-regra abrigam as populações de baixa renda.
4- Esta interrupção seletiva deveria ser acompanhada pela Aneel, de forma a evitar e penalizar eventuais cortes em setores prioritários como serviços de infraestrutura urbana (redes ferroviárias, sistemas de metrô, e principalmente, serviços de saúde como Postos médicos e Hospitais). A Aneel não foi previamente avisada, ficando a decisão do corte a critério de cada uma das concessionárias de distribuição envolvidas.
5- O Ministério de Minas e Energia e seu Ministro de ocasião, Eduardo Braga, a quem caberia levar à população informações técnicas de garantia do suprimento de energia, colocou a população do país nas “mãos de Deus”, assegurando que “Deus é brasileiro”. Atitude esta, a meu ver, irresponsável e leviana, sujeita a penalização por improbidade através de uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal, o que não aconteceu.
IHU On-Line – O que é, exatamente, o Operador Nacional do Sistema?
Célio Bermann – Como disse, o sistema elétrico brasileiro se caracteriza por ser extremamente extenso, o que não deixa de ser favorável, em função do esforço histórico de interligar sistemas e promover o intercâmbio inter-regional. O ONS tem a atribuição de monitorar o sistema de despacho de carga (geração e transmissão) de acordo com a demanda. A tecnologia atual possibilita que o ONS execute essa tarefa em tempo real, podendo antecipar eventuais desequilíbrios entre a oferta e a demanda.
O despacho de carga é realizado pelo critério econômico, colocando no sistema, que é interligado, isto é, possibilitando intercâmbios de energia entre as várias regiões do país, a energia elétrica de menor custo de produção, acrescentando na medida das necessidades, e de forma sucessiva, custos maiores. Cabe assinalar que o país ainda não é totalmente interligado, havendo ainda áreas (1,7% da energia requerida no país, conforme informações do próprio ONS), constituídas por sistema isolados.
IHU On-Line – De onde se origina a justificativa apresentada, que o apagão foi estratégico para não ocorrer pane ainda maior? Tecnicamente isso é provável?
Célio Bermann – O ONS procedeu a uma ação de caráter preventivo, evitando assim que um apagão de maiores proporções ocorresse. Esse é o único mérito do operador: se antecipar a uma sobrecarga do sistema que poderia ter graves consequências. Uma sobrecarga poderia determinar o desligamento de subestações, se o sistema não encontrasse condições de redundância (o sistema procura alternativas no sistema antes de desligar). Outros equipamentos estão, em princípio, disponíveis, como banco de capacitores, dispositivo que atua para corrigir a instabilidade do sistema (alteração da frequência, quedas de tensão, fator de potência irregular).
O nosso problema maior é que tais possibilidades técnicas exigem condições adequadas de manutenção. E temos um sistema energético que não investe como o desejável, na manutenção. Os sucessivos “apagões” que estão ocorrendo é uma evidência da manutenção inadequada do sistema.
IHU On-Line – Depois de o governo garantir que não haveria apagão, por que agora o sistema parece ter entrado em colapso?
Célio Bermann – Infelizmente estamos assistindo atualmente a um exercício de ilusionismo por parte do Governo. Ele fala que faz, o que as evidências demonstram o contrário.
IHU On-Line – Por que mesmo diante deste cenário a construção de Belo Monte é injustificável? Por que ela não resolve a questão energética no Brasil?
Célio Bermann – Embora eu já tenha referido isso em outra entrevista ao IHU, é importante retomar. Primeiro, a Usina de Belo Monte tem uma capacidade instalada 11.233 megawatts, obra propagandeada como a “terceira maior hidroelétrica do mundo”, a “a maior usina nacional” (pois Itaipú é bi-nacional). Temos uma situação prevalente, particularmente, na região do Amazonas, que é uma região sob o ponto de vista geográfico, com extensas planícies o que implica em que os barramentos projetados acabam represando grandes áreas.
Nesse quadro geográfico mais geral, existem na região falhas geológicas que se estendem desde as bacias do rio Tapajós, passando pelo rio Xingu até encontrar o rio Tocantins. Nessa linha de falha geológica estão as corredeiras onde foi inicialmente construída a Usina de Tucuruí no rio Tocantins, agora está sendo construída Belo Monte no rioXingu, e estão previstas duas usinas (São Luiz do Tapajós e Jatobá) no rio Tapajós. A falha geológica proporciona grandes desníveis no relevo que foram transformados em “grandes potenciais hidrelétricos”.
O primeiro projeto de usina no rio Xingu (na época denominada Kararaô), apresentado em 1989, teve uma resistência muito grande dos povos indígenas que se manifestaram em Altamira, no Pará, mas foi reapresentado em 2005 durante o primeiro mandato do governo Lula, com alterações, não na geração de energia, mas na disposição da área a ser alagada. Foi reduzida a área de alagamento de 1.230 quilômetros quadrados para alegados 516 quilômetros quadrados, que foi o que constou no EIA/Rima. Vale lembrar que no contrato de concessão a área indicou 668 quilômetros quadrados.
Isto é outra forma indigna porque penaliza ribeirinhos e populações na beira do rio, transformando-o em reservatório. Existe uma legislação absolutamente caduca em relação à seguridade social dessas populações. Via de regra, aparece como questão a ser dimensionada posteriormente ao início das obras, mas nunca, nunca atingiram um resultado concreto, expressivo.
Lembro da satisfação e da alegria do pessoal do MAB quando o presidente Lula, ainda no final do seu primeiro mandato, definiu através de uma resolução a necessidade das obras hidrelétricas levarem em conta as populações atingidas, através do cadastramento prévio. Isso teve um efeito propagandista muito grande, mas nada foi feito em benefício das populações atingidas.
IHU On-Line – Como as populações tradicionais, os ribeirinhos e, sobretudo, as comunidades indígenas, são impactadas por tais construções? De que forma tais projetos, além de não resolverem as questões a que se propõem, causam danos ainda maiores?
Célio Bermann – Como a área de alagamento foi artificialmente reduzida, o volume de água na área reduzida foi concentrado em um canal de derivação, que tem o porte do Canal do Panamá, cujo volume de pedras e de terra a ser removida é equivalente, justamente para evitar que duas áreas indígenas (Paquiçamba e Arara) fossem afogadas pelo reservatório. Existia a preocupação de que, em função da legislação – se é que ela pode ser considerada como a regra que esteja sendo realmente seguida – a obra pudesse ser inviabilizada.
Esse é um recurso jurídico previsto ainda nas disposições transitórias da Constituição Federal de 1988 (art. 67) que permanecem como questões a serem consolidadas e nunca o foram. Então há estes aspectos que dizem respeito às populações tradicionais, que tem a ver com à Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que prevê a inviabilidade de empreendimentos de infraestrutura que afetem as populações indígenas.
Foi feito este artifício de “resolver” o problema dos dois territórios indígenas nas áreas do reservatório de Belo Monte e, com isso, propôs-se um empreendimento hidrelétrico, que em função de suas características, com a ausência de um grande reservatório de acumulação – e não estou com isso dizendo que sou favorável a um reservatório de grande acumulação nas barragens na Amazônia. Nesse tipo de usina a água regulariza a produção energética e, ao regularizar, ela não fica única e exclusivamente dependendo do fluxo de água.
A vazão do rio Xingú é extraordinariamente grande (15 a 22 mil metros cúbicos por segundo) nos meses de janeiro a maio, capaz de aproveitar a capacidade instalada de mais de 11.000 megawatts. Mas que nos outros meses do ano se reduz significativamente. Isso chega a ponto de no mês de outubro, quando a estiagem é mais pronunciada, registros históricos já demonstraram vazões menores que 700 metros cúbicos por segundo. Este problema acaba fazendo com que no mês de outubro apenas 10% de Belo Monte tenha capacidade de produzir energia elétrica.
A questão é: qual é a lógica de um projeto com esta natureza? Sob o ponto de vista econômico e financeiro, a lógica é muito simples de ser questionada. O investimento inicial orçado em R$ 17 bilhões de reais, previsto na licitação da obra, (hoje já sabemos, ultrapassa a cifra de R$ 33 bilhões) não terá condições de ser amortizado no prazo de 30 anos, em função da tarifa definida no leilão em abril de 2010, de R$ 78 o megawatt/hora, que não irá remunerar o investimento. Não é por outra razão que é o BNDES, ou seja, o dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, dinheiro público, dinheiro de todos nós, é que está financiando 80% dessa megaobra.
Na época, ainda da discussão de viabilidade de Belo Monte, antes dela ser aprovada, eu havia solicitado ao BNDES, em função do caráter público do banco, que se verificasse se o empréstimo de R$ 25 bilhões iria trazer segurança ou ausência de risco. Na época a Eletrobrás, para viabilizar a tomada de empréstimo junto ao BNDES se comprometeu a comprar 20% da energia elétrica que seria gerada por Belo Monte, (em função da legislação atual, seria a energia elétrica destinada ao mercado livre), por R$ 120 o megawatt/hora, quando na licitação da obra o consórcio vencedor, que é a Norte Energia, definiu a tarifa na ordem de R$ 78 o megawatt/hora. A empresa pública Eletrobrás irá comprar uma parcela da energia, representando um acréscimo de 54% do valor definido no leilão. Ainda antes dessa questionável decisão da Eletrobrás eu e meus alunos fizemos cálculos sobre as condições de operação e chegamos à conclusão de que a taxa de retorno de Belo Monte era negativa, portanto, não remunerava o investimento. Isso justifica a ausência de aporte de capital privado nessa obra.
É desta forma que Belo Monte nos foi enfiada “goela abaixo”, para utilizar a expressão de D. Erwin Kräutler, bispo de Altamira. Ela não resolve a questão energética no Brasil, é injustificável sob o ponto de vista econômico e financeiro e ela é uma tragédia do ponto de vista socioambiental.
Quem vai hoje a Altamira constata o que resultou da ausência do poder público para acompanhar todas as condicionantes socioambientais que foram desconsideradas pelo consórcio construtor de Belo Monte. Do ponto de vista socioambiental não há nenhum indicador que nos mostre o compromisso com as necessidades de infraestrutura e atendimento básico, que era uma das condicionantes das obras. Isso sem falar das inúmeras outras condicionantes também desconsideradas.
IHU On-Line – Qual é o impacto das grandes hidrelétricas do ponto de vista das regiões que deveriam ser áreas de preservação?
Célio Bermann – Tive a oportunidade, em novembro de 2014, de visitar a região de Santarém, no oeste do Pará, e subi o Rio Tapajós, na área em que está prevista a Usina de São Luíz do Tapajós. Quando estive nesta pesquisa de campo, tive contato com as populações ribeirinhas e, particularmente, um contato bastante intenso com lideranças dos povos de etnia Munduruku, que habitam a região. A qualificação do que está acontecendo com os povos indígenas, seja em função de obras hidrelétricas, com os Arara, com os Kaiapó, no Rio Xingu, e a ameaça que passa a ser irreversível para os Munduruku na bacia do Tapajós, mostram que a qualificação pode ser etnocídio, genocídio, que são termos fortíssimos e que têm sido utilizado por lideranças indígenas com quem eu tive oportunidade de ouvir.
Isso também diz respeito aos projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação- REDD por meio do controle de desmatamento, em que populações indígenas como a do Acre, e não nos esqueçamos que está é uma política do Estado do Acre, do senhor Jorge Viana, do Partido dos Trabalhadores, que está provocando um genocídio, nas palavras de lideranças indígenas como o cacique Ninawa, do povo Huni Kui, , porque são projetos impostos que retiram às populações indígenas o acesso a água e ao alimento a título de preservação ambiental.
Temo que a bola da vez, o Rio Tapajós, que possui uma região geográfica lindíssima – este rio tem características diretamente vinculadas com a beleza cênica – além de uma riquíssima biodiversidade ainda desconhecida, seja totalmente transformado, caso a obra da Usina de São Luís do Tapajós seja efetivada.
Há uma resistência bastante grande da população indígena. A forma como isso está sendo tratado dentro do governo ficou evidenciada em um encontro das lideranças Munduruku com o ex-ministro Gilberto Carvalho, que nessa reunião foi taxativo como o governo Dilma-Sarney tinha sido com Belo Monte. Ele disse “sim”, “pois não”, “nós vamos ouvir vocês, mas não terão direito ao veto. A decisão já foi tomada”.
A primeira reação da população foi de desespero, vendo que estavam diante de um fato consumado. E, em segundo lugar, sabendo que a sua terra estava sendo diretamente atingida pelas obras. Não é por acaso que a demarcação do território de alguns grupos indígenas da região está atravessando anos, mesmo com o empenho da Fundação Nacional do Índio – Funai em que as direções são afastadas ou renunciam em função da cobrança em torno da não demarcação de terras.
Eles resolveram, e eu tenho acompanhado isso por meio de colegas da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, em que a comunidade indígena está procurando fazer o que eles chamam de “autodemarcação”, já que não conseguem oficializar por meio dos órgãos competentes e ausentes para fazer isso.
A própria Funai tinha feito um primeiro estudo de demarcação, que foi suspenso por ordem superior. Nas conversas que houveram no ano passado entre lideranças da etnia Munduruku com a Funai, a ex-presidente, Maria Augusta Assirati, foi afastada depois de dizer claramente que estava sendo pressionada para a não demarcação das terras Sawré Muybu na região do médio Tapajós.
Ao mesmo tempo, não nos esqueçamos que a própria Dilma, por meio da Medida Provisória no. 558 de 6/01/2012 (ressalto que os governos estão sendo insidiosos do ponto de vista socioambiental), a Presidência da República desafetou áreas de preservação ambiental, justamente, as que seriam atingidaspelos reservatórios projetados. Essa desafetação mostra estratégia do governo de desconsiderar situações de fato e de Direito, de áreas de preservação ambiental e ocupadas por populações tradicionais de longa data.
A forma insidiosa como o Gilberto Carvalho chamou atenção para a impossibilidade de veto, demonstra o caráter tecnocida, etnocida, genocida ou qualquer outra qualificação que possamos dar, ao que os últimos governos fizeram com a questão indígena. Eu não me restrinjo ao governo do PT, isso já era evidente em governos anteriores e se arrasta desde a época da Ditadura Militar.
IHU On-Line – Podemos considerar esse modelo como neodesenvolvimentista? Quem ganha e quem perde com esses projetos megalômanos?
Célio Bermann – Acho um erro qualificar esse modelo como “neo” alguma coisa. Não há nada de novo. O que nós discutimos é a prevalência de estratégias e formas de conduzir as questões que não são, de forma nenhuma novas. Apenas reproduzem o que já aconteceu de longa data em nosso país. Este desenvolvimentismo que é apregoado aos governos Lula-Sarney e Dilma-Temer é um modelo submetido aos interesses do capital internacional, ele não tem nada de desenvolvimentista.
A desejável discussão do modelo nacional de desenvolvimento nunca foi feita em nosso país, nem por esses governos, nem pelos anteriores, que apenas reforçam este caráter de submissão. Não digo com isso que não se deva levar em consideração que hoje nós vivemos em mundo chamado de globalizado, mas eu diria que as questões relacionadas à política industrial reforçam esse caráter de submissão. Ao mesmo tempo percebemos uma característica que opera apenas como propaganda das questões do desenvolvimento.
Não é por acaso que estamos verificando há bastante tempo indicadores de desenvolvimento e o Produto Interno Bruto – PIB nos é, particularmente, indicativo dessa fragilidade (ainda que ele não seja um indicador inválido, mas tem sido utilizado para mostrar as condições pífias de nosso desenvolvimento). Esse modelo é apenas a reprodução do caráter, já histórico em nosso país, de submissão ao capital internacional.
Nessas condições, enquanto não tivermos na agenda do país discussões importantes envolvendo a população sobre o que queremos para o Brasil, vamos continuar nessa situação seja o governo que estiver no poder.
IHU On-Line – Em termos tecnológicos, que alternativas existem para suprir a demanda energética cada vez mais crescente? Há saída ou precisamos reconsiderar nosso modo de consumo?
Célio Bermann – Se a forma de submissão que nos caracteriza persistir, está claro que não existem outras alternativas. Se o Brasil continuar apostando, como está indicado em documentos do governo, isto é, dados oficiais, na expansão dos setores eletro-intensivos, isso vai requerer mais energia. Segundo dados oficiais, a produção de aço vai mais que duplicar, a produção de ferro-liga vai duplicar, a produção de alumínio vai duplicar, a produção de celulose vai mais que duplicar, a extração e beneficiamento do minério de ferro vai triplicar.
Nessas condições haverá necessidade de grandes blocos de produção de energia. Não adianta ficar pensando em energia eólica, energia solar, biomassa, como alternativas tecnológicas para suprir a demanda energética. Se a demanda continuar a subir da forma como está hoje estabelecida não tem jeito. Não há como, do ponto de vista tecnológico, cobrir esta demanda sem grandes blocos de produção de energia.
É necessário que esta demanda seja redimensionada. O nosso modo de consumo precisa ser reconsiderado. Isso exige do Brasil e do mundo um debate que ainda hoje não está devidamente estabelecido. Nós estamos discutindo o futuro do planeta, as dificuldades com os combustíveis fósseis em função das mudanças climáticas, e essa discussão toda tem pertinência, mas deve ser acompanhada pela questão de fundo que é o tipo de sociedade que a humanidade quer constituir e consolidar para as gerações futuras.
Continuarmos no mesmo barco que hoje estamos não tem saída. Não há alternativa sob o ponto de vista ecológico, econômico e ambiental. Nós estamos fadados a cada vez mais ter que se adequar e conviver com as mudanças no clima. Isso não significa dizer que estamos caminhando para um aquecimento global, como querem alguns. Inclusive sou bastante reticente à forma como politicamente são tratadas as questões do efeito estufa, a precificação do preço do carbono e todas as estratégias que o mercado nos impõe, pois tais perspectivas não conseguem resolver, de forma eficaz, os pontos que estão por trás desta lógica.
O debate sobre o futuro energético não deve se restringir à redução das emissões de gases de efeito estufa, como hoje governos, empresas, amparadas pela mídia internacional definem. A questão central é de qual escala de consumo queremos para assegurar a qualidade de vida de todos os habitantes do planeta, considerando a escassez dos assim denominados “recursos naturais” e a vulnerabilidade climática. E a esta questão, o sistema capitalista não está nos oferecendo respostas.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Célio Bermann – Sim, eu queria acrescentar ao que já foi dito, com relação às consequências das mudanças climáticas.Tenho acompanhado algumas evidências no que se refere ao processo de alteração do regime hidrológico em escala planetária. Gostaria de chamar a atenção dos colegas que hoje estão envolvidos na concepção de empreendimentos hidrelétricos, como os engenheiros elétricos, civis e mecânicos, , para a necessidade de abandonar os métodos que são hoje empregados para a definição de aproveitamentos hidrelétricos em função da alteração do regime hidrológico no planeta. Não é mais possível se basear em dados históricos de vazões máximas e mínimas, aferidos ao longo dos últimos 80 ou 100 anos. Estamos vivenciando em ritmo cada vez intenso alterações significativas no regime hidrológico dos rios.
Em minha visita à região de Porto Velho, Rondônia, após a chamada “cheia histórica” ocorrida em fevereiro e março de 2014, que redundou no aumento do volume de água e nos consequentes alagamentos em Porto Velho e em várias regiões do Rio Madeira, chegando a alcançar áreas na Bolívia, -o objetivo era analisar a pertinência da relação entre a escala com que as cheias se deram, e a construção dos dois barramentos, Jirau e Santo Antônio.
Essa perspectiva, inclusive, tinha sido abraçada pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual, que conseguiram uma liminar para se realizar essa avaliação. O que aconteceu foi que tanto o governo federal quanto as empresas geradoras acabaram transformando aquela iniciativa dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, e, também, do juiz da região que havia dado ganho de causa para a necessidade de se estudar esta relação, em algo esquecido.
A “ótimização energética”, que baliza os estudos de inventário, deve ser abandonada em função dos riscos e da imprevisibilidade do regime hidrológico sob efeito das mudanças climáticas. Portanto, o princípio da precaução me parece fundamental à nova forma de se projetar barramentos hidrelétricos, particularmente na Amazônia.
O princípio da precaução significa reduzir a capacidade de geração de forma a se adaptar a possíveis alterações hidrológicas de grande monta. As mudanças climáticas e a alteração do regime hidrológico demonstram riscos cada vez maiores na construção de usinas hidrelétricas. Não estou com isso demonizando-as, mas há que se definir critérios objetivos que preservem populações e garantam que as obras possam operar sem afetar a vida de populações. E disso, estamos muito longe, submetidos que ainda estamos a uma obsessão burra e cega a problemas conhecidos e sistematicamente desconsiderados.
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