7 de fevereiro de 2015

Com projeto cancelado, índios temem que Petrobras descumpra acordo

            Empresa desistiu de refinaria que ocuparia terreno cedido por indígenas. Atuais terras já foram cortadas por cercas, gasodutos e rodovias
Terreno que pertencia ao povo Anacé em que já foi iniciada a construção de uma nova refinaria da Petrobras, projeto cancelado (Foto: André Teixeira/G1)
Terreno que pertencia ao povo Anacé em que já foi iniciada a construção de
 uma nova refinaria da Petrobras, projeto cancelado (Foto: André Teixeira/G1)

 André Teixeira Do G1 CE

Os índios que tiveram terras desapropriadas para dar lugar à refinaria da Petrobras no litoral do Ceará vivem tempos de incerteza. Com o cancelamento do projeto, o povo Anacé teme que a estatal descarte também o apoio à transferência dos indígenas para uma nova reserva, algo acertado em troca da cessão da área que abrigaria o empreendimento.
Em 28 de janeiro, a Petrobras informou no balanço do terceiro trimestre que as duas refinarias Premium, no Ceará e Maranhão, não sairiam do papel. A empresa sofre uma grave crise e anunciou nesta sexta (6) seu novo presidente. Uma cidade no norte do Maranhão também conta os prejuízos.
O cancelamento dos empreendimentos gerou perdas de R$ 2,707 bilhões. Cerca de R$ 600 milhões já haviam sido investidos pela estatal em serviços como a construção de dutos e terraplanagem do terreno destinado à Premium II.
Região do povo Anacé
  • Indígenas vivem no limite entre as cidades de Caucaia e São Gonçalo do Amarante
O povo Anacé afirma que concordou em deixar as áreas de Matões e Bolso, que ficam no limite entre as cidades de São Gonçalo do Amarante e Caucaia, no litoral cearense, sob as seguintes condições: que o governo do estado construísse uma nova reserva para a comunidade, a União reconhecesse o território como indígena e a Petrobras investisse no processo de transferência para amenizar os impactos da saída do local onde viveram.
Outro ponto do acordo foi não remover o cemitério indígena do povoado.
O terreno onde ficará a nova morada dos Anacé fica dentro de Caucaia, a 13 km da atual. O governo diz que o valor das obras da reserva é de R$ 13.752.248,23 (proposta vencedora da licitação). "A reserva, que espalhada por uma área de 540 hectares, terá escola, posto de saúde, casas, sistemas de abastecimento de água e esgoto entre outras benfeitorias para abrigar as 163 famílias a serem realocadas", diz nota. A previsão de conclusão das obras é março de 2015.
Terra “sufocada”
As terras indígenas de Bolso e Matões foram cortadas por cercas, gasodutos e rodovias que iriam abastecer a refinaria. Alessandra Maria, moradora de Matões, se diz “sufocada” na própria terra.


Alessandra Maria Anacé (Foto: André Teixeira/G1)


Os moradores têm de conviver com o trânsito e a violência. Heloísa Gustavo se queixa da movimentação de caminhões que fazem a “poeira subir” e causam doenças respiratórias nos filhos. “O sossego e a tranquilidade daqui não existem mais. Até violência, que não tinha por aqui, já virou comum”, afirma Alessandra Maria.
“O melhor é que a gente não tivesse que sair daqui, mas nosso terreno foi tão invadido, tão cortado por estradas, descaracterizado, que o melhor é ir para a nova reserva. A gente fica triste. É ruim ter que deixar aqui, mas já decidimos”, diz ela.
Falta de definição
A União já declarou a terra como área dos Anacé, e o governo do estado dá continuidade às obras da reserva, com construção de casas, posto de saúde e escola. Da Petrobras, eles seguem sem respostas, segundo os índios que conversaram com o G1 em visita à aldeia.
A companhia não deu posicionamento sobre a questão até a publicação desta reportagem.O governo cearense diz que "as obras da Reserva Anacé estão em andamento normal, já com a conclusão dos serviços de terraplenagem, instalação de rede de energia, vias de acesso, execução e delimitação dos lotes".


Antonio Alexandre (Foto: André Teixeira/G1)


São 134 famílias de Matões e 29 de Bolso já indenizadas esperando a conclusão da reserva para fazer a mudança. Parte do lugar onde moram daria lugar à Premium II.
O acordo feito pela Petrobras segundo os Anacé, era financiar a transferência da produção das famílias afetadas, como as hortaliças de Antônio Alexandre. “A nossa vida agora é de incerteza. A gente não sabe se vale a pena ficar aqui e expandir a produção, se aguarda para investir na reserva que está em construção ou se vão manter os acordos que tinham de ajudar a transferir nossa produção”.
Vários indígenas da região plantam hortaliças que abastecem mercados das cidades vizinhas. Com a desistência da Petrobras em investir na refinaria, eles não sabem como será a transferência do cultivo.
Reunião na segunda
Os indígenas têm reunião marcada com membros da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Petrobras nesta segunda (9), na sede do Ministério Público Federal no Ceará, em Fortaleza. No encontro, eles vão reivindicar do governo e da Petrobras o cumprimento dos acordos. Os líderes indígenas afirmam que ainda não foram notificados formalmente sobre o fim do empreendimento e só devem comentar oficialmente sobre o assunto após a reunião no Ministério Público.

Cemitério dos Anacé (Foto: André Teixeira/G1)
Cemitério dos Anacé, mantido pelo acordo com os
indígenas (Foto: André Teixeira/G1)

Outra preocupação dos indígenas é a manutenção dos serviços de educaçao e sáude na futura reserva. Na quarta-feira (4), as 134 famílias da área participaram de uma campanha de vacinação contra o sarampo. A cidade de Caucaia registrou um caso da doença neste ano, o que colocou o Ceará em estado de atenção.
"O serviço de saúde é muito eficiente, atende quem é indígena e quem não é porque temos o apoio do governo municipal de Caucaia. O que não temos certeza, e também queremos garantir, é que isso tudo continue no terreno da União", diz Alessandra Maria.
O governo estadual diz que um posto de saúde será construído na nova reserva.
Denúncias
O Ministério Público Federal apura denúncia de problemas na construção das casas previstas no projeto Taba dos Anacés. Lideranças indígenas informaram as que obras estariam causando danos ao meio ambiente, por conta de aterramento de uma lagoa.
Também relataram irregularidades em dimensões das residências, utilização de materiais de baixa qualidade nas obras e que equipamentos de seguranças não estariam sendo utilizados por trabalhadores contratados pela empreiteira.
O governo do estado nega as denúncias de problemas na construção e diz que a obra ''respeita todas as especificações do edital'' e é fiscalizada por dois engenheiros da Secretaria Estadual da Infraestrutura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário