Povos indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras e extrativistas realizaram uma caminhada na Avenida das Nações, em Brasília, na manhã desta quinta (11), denunciando aos países importadores de commodities produzidas pelo agronegócio no Brasil as violações e agressões promovidas por esse setor contra seus direitos, seus territórios e suas vidas. Ao fim da caminhada, uma comissão de representantes dos povos e comunidades tradicionais foi recebida na Embaixada da Alemanha, onde um documento com denúncias e reivindicações foi entregue.
“Os territórios indígenas continuam sem ser demarcados, grilados por fazendeiros, e isso vem criando um transtorno e uma tristeza muito grande. Há muitos assassinatos em muitas comunidades, muitos estão morrendo por não ter sua alimentação garantida”, afirmou Nailton Pataxó Hã Hã Hãe, um dos representantes das lideranças indígenas que participou da reunião na embaixada, enquanto cerca de 200 lideranças dos povos Pataxó Hã Hã Hã, Tupinambá, Kaingang, Guarani M´bya, Gavião, Gamela, Krikati, Macuxi, Mura, Kambeba, Maraguá, quilombolas e pescadores e pescadoras artesanais manifestavam-se do lado de fora do prédio.
No documento, os povos e comunidades tradicionais ligam os ataques violentos que têm sofrido à constante incitação ao ódio e à violência feita por parlamentares da bancada ruralista, a maior do Congresso Nacional, e solicitam que a embaixada leve as denúncias às demais autoridades do país e ajude a promover uma “mudança de postura e atuação desses setores exportadores em relação aos nossos direitos, aos nossos povos e às nossas lideranças”.
“Observamos que existe uma organização muito bem estabelecida na condução desses ataques. O Massacre de Caarapó não resulta de uma iniciativa isolada de alguns fazendeiros loucos do interior do estado do Mato Grosso do Sul”, afirmam os povos no ofício.
“Consideramos que existem fortes interesses políticos e econômicos na raiz e no corpo destes ataques contra nossos povos e nossos direitos”, segue afirmando a carta. “Os responsáveis e os beneficiários diretos desse ataque são os mesmos sujeitos que nos atacam e matam nossas lideranças recorrentemente em nossos territórios originários. Esses grupos são vinculados e defensores do modelo de exploração e produção fundamentalmente voltado à exportação de commodities agrícolas e minerais”.
Agronegócio e violência no campo
No final da semana passada, o assassinato do camponês Luís Jorge de Araújo, de 56 anos, da comunidade Boqueirão, no município de Wanderlândia (TO), fez subir para 39 o número de vítimas fatais da violência no campo em 2016, até aqui, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em todo o ano de 2015, também segundo a CPT, foram 50 assassinatos por conta de conflitos fundiários e da luta pela terra em todo o Brasil – o maior número contabilizado em 12 anos.
No caso dos povos indígenas, apenas no ano de 2014, último com dados disponíveis, foram 138 assassinatos. Desde agosto de 2015, já foram registrados ao menos 30 ataques paramilitares – com o uso de armas pesadas ou agentes químicos – contra acampamentos do povo Guarani e Kaiowá, apenas no Mato Grosso do Sul.
Em busca de expansão para sua produção e seus lucros, o agronegócio voltado à exportação de commodities agrícolas – artigos como soja, café e cana-de-açúcar, produzidos em grandes monoculturas e que têm seu valor negociado em bolsas de valores – acaba pressionando os territórios de povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais e atropelando seus modos de vida e de produção.
“Os grandes empreendimentos tem como foco expandir em forma de capital, mas não tem como foco o respeito à vida, ao nosso bem-viver, aos nossos territórios. E com essa política de expansão, o Estado brasileiro fez uma opção por um modelo de desenvolvimento que impacta as comunidades tradicionais, que destrói nossos territórios e compromete nossa fauna e nossa flora”, afirmou na reunião Fátima de Barros, liderança da Articulação Nacional de Quilombos (ANQ).
“Toda essa pressão passa por uma mão que financia, e essa é a mão dos grandes produtores, que têm interesse nos nossos territórios para continuar a expansão agrícola. Nós ficamos sem voz, somos pessoas excluídas dentro do nosso país. Nossas lideranças são ameaçadas, caçadas e assassinadas pelo latifúndio do Brasil”, complementa a quilombola.
Fátima, que veio do Tocantins, também citou ao ministro da Embaixada da Alemanha o programa Matopiba, frente de expansão da fronteira agrícola na região do Cerrado, como uma nova fonte de risco para os povos, para o meio ambiente e para as águas.
Relações comerciais
“Ao importar esses produtos oriundos do agronegócio do Brasil, a Alemanha está contribuindo para fortalecer esse setor agressivo e violento contra nossos direitos, nossas lideranças, nossas vidas”, afirma o documento entregue pelas lideranças à embaixada.
“Eu concordo cem por cento com o que vocês disseram, que é importante proteger o ambiente no qual os diferentes povos e a humanidade vivem, e concordo que o caminho também passa por pensar nos consumidores finais e nos importadores dos mercados europeus”, afirmou o ministro da Embaixada da Alemanha, Christoph Bundscherer, acrescentando que a consciência entre os europeus em relação ao consumo de alimentos saudáveis não agressivos ao meio ambiente e aos direitos humanos vem aumentando.
A Alemanha é uma das principais importadoras de commodities do agronegócio brasileiro. Segundo dados do Ministério da Agricultura, em julho de 2016, a União Europeia foi a segunda principal importadora do agronegócio brasileiro, representando o destino de 18,2% das exportações do país.
De forma individual, a Alemanha foi, neste mesmo mês, a nona principal importadora do agronegócio do Brasil: dos 7,8 bilhões de dólares em vendas externas, 164,5 milhões foram oriundos apenas de compras da Alemanha, o que totaliza uma participação de 2,2% no total de vendas internacionais do agronegócio brasileiro.
No ano de 2015, ainda segundo o Ministério da Agricultura, o total das relações comerciais do setor agrícola no Brasil com a Alemanha chegou a 2,47 bilhões de dólares. Neste mesmo ano, a Alemanha foi o quinto principal país comprador de soja produzida no Brasil.
Enquanto o agronegócio conta com grandes subsídios do Estado e domina a pauta de exportações do Brasil, ao lado das commodities minerais e com produtos como soja, carne, celulose, cana de açúcar e café produzidos em grandes propriedades, a agricultura familiar e camponesa, com recursos públicos muito menores, é responsável por 70% dos alimentos consumidos pelas famílias brasileiras, segundo dados do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
“Esse diálogo entre produtores, governo, parlamento, embaixadas, e vocês, representantes dos povos diferentes, pescadores, indígenas, quilombolas, é muito importante. Estamos sempre à disposição”, acrescentou o ministro alemão Bundscherer, antes de assinar o documento entregue pelos representantes de povos indígenas, quilombolas e pescadores.
Semana de lutas
A caminhada na avenida das Nações foi o último grande ato das cerca de 200 lideranças indígenas, quilombolas, pescadoras e de outras comunidades tradicionais que vieram de diversas regiões do Brasil, especialmente Bahia, Maranhão e Rio Grande do Sul, para lutar por seus direitos em Brasília.
Em sintonia com as mobilizações ocorridas em todo o país, os povos originários e comunidades tradicionais ocuparam na terça (9), Dia Internacional dos Povos Indígenas, um auditório da Câmara dos Deputados, em luta pela rejeição da Proposta de Emenda Consittucional (PEC) 215 e pelo fim da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra a Funai e o Incra - ambas iniciativas da bancada ruralista, cuja pauta agressiva para 2016-2017, sintetizada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e pelo Instituto Pensar Agro (IPA), foi também citada como fonte de ataques na carta entregue à embaixada da Alemanha.
Obtiveram, em reunião realizada na quarta-feira (10), o compromisso do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), de que ele não prorrogaria a CPI unilateralmente e nem colocaria a PEC 215 para votação enquanto estiver à frente da presidência – seu mandato vai até fevereiro de 2017.
A ação na embaixada da Alemanha deu sequência a outra mobilização ocorrida em julho, quando outras 200 lideranças indígenas realizaram uma manifestação na Avenida das Nações e entregaram denúncias às embaixadas de Portugal, Rússia, Estados Unidos, Países Baixos, Canadá, França e China.
“A soja que plantam, com aquele que nós chamamos de passarinho grande [avião], que larga aquele pó em cima e cai na nossa água, isso já envenena a gente. Eu trabalho com meus chás, meus remédios. Eles nos curam, mas não curam o veneno”, resumiu, na embaixada da Alemanha, a liderança Iracema Kaingang, da Terra Indígena Borboleta, no Rio Grande do Sul (foto abaixo). “Então, para vocês, que são conhecidos desses aí, fazemos um apelo por nossa vida. A gente gosta muito de viver. A gente luta pelos nossos filhos”.
texto e fotos: Tiago Miotto/assessoria de comunicação do Cimi
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