Para Victoria Tauli Corpuz, risco de efeitos etnocidas não pode ser ignorado nem subestimado |
Cacique babau e Victoria Tauli Corpuz: a relatora da ONU vê com preocupação a configuração do novo governo |
O governo interino de Michel Temer (PMDB)
recebeu na segunda-feira 16 mais uma contundente crítica internacional
às suas primeiras ações desde que assumiu o poder após o golpe
parlamentar.
A relatora especial da ONU para os direitos indígenas, Victoria Tauli Corpuz, das Filipinas, em discurso na 15a
Sessão do Fórum Permanente da ONU sobre as questões indígena (UNPFII),
criticou a extinção da Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério da Cultura,
apontou preocupação com o fato de interesses da elite brasileira serem
beneficiados em detrimento dos direitos dos povos indígenas, e alertou
para o risco de violências, violações de direitos e, inclusive, com
efeitos etnocidas.
Além de extinguir o Minc e a SHD, Michel Temer nomeou
um time de notáveis políticos anti-indígenas para ministros interinos,
como Blairo Maggi (PP-MT), na pasta da Agricultura, maior plantador de
soja do mundo, e Romero Jucá (PMDB-RR), no Planejamento,
que é autor de um projeto de lei para liberar a mineração em terras
indígenas e é acusado, publicamente, pelo chefe Yanomami Davi Kopenawa
de participar da exploração ilegal de ouro na Terra Indígena Yanomami.
Como complemento, o recém nomeado ministro da
Justiça, Alexandre de Moraes, disse em sua primeira entrevista que pode
rever demarcações de terras indígenas.
Indígenas brasileiros e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), também presentes na sede da ONU, denunciaram
violências que estão sendo praticadas e o risco dos retrocessos. “Não
queremos mais que o sangue de nossas famílias regue plantações de soja,
cana ou sirva para o gado. Não vamos desistir de nossos territórios”,
disse o líder indígena Kaiowa Guarani Eliseu Lopes, em discurso na
semana passada diante de mais de mil indígenas de todo o mundo.
Tauli Corpuz esteve no Brasil em visita oficial entre 7
e 17 de março, momento que coincidiu com o aumento da crise política no
País. A relatora da ONU conheceu situações de graves conflitos por
terra no país, como o caso dos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, dos Tupinambá, na Bahia e de Belo Monte no Pará.
Por um lado, agradeceu a receptividade do então governo
brasileiro, de Dilma Rousseff, pelo convite e por facilitar encontros
com ministros de governo e do Supremo Tribunal Federal, do Superior
Tribunal de Justiça, do Ministério Publico Federal, procuradores,
deputados e senadores.
Ao final da missão, ela chegou a elogiar medidas e
iniciativas postas em prática para garantir os direitos dos povos
indígenas, como o árduo trabalho da Funai, em meio a todas as
adversidades políticas e financeiras, e do MPF.
No entanto, alertou que quase nada havia avançado desde
a visita de seu antecessor, oito anos antes. E mostrou-se extremamente
preocupada para retrocessos que demandariam uma ação enérgica do governo
para impedir que se consumassem.
Entre estas preocupações, ela cita medidas legislativas, e, a pior de todas, a PEC 215, que pode colocar fim aos direitos territoriais dos povos indígenas
ao transferir todas as demarcações para aprovação no Congresso — que
está dominado, nessa legislatura, por inimigos dos povos indígenas, como
ruralistas e evangélicos.
Ocorre que com a crise política e a derrubada do
governo, é difícil que tal ação enérgica para estancar retrocessos se
dê. É justamente o contrário o que pode ocorrer, conforme indicam as
primeiras medidas de Temer, e que bastaram para acender a luz amarela e
provocar o discurso duro e contundente da relatora da ONU. Inclusive,
com a máxima gravidade: o etnocídio.
Disse Tauli Corpuz: “Com a chegada da crise política,
estou ainda mais preocupada que recentes avanços possam ser revertidos e
que violações, as quais eu observei, possam ser ainda mais praticadas.
Fico especialmente preocupada com a possibilidade de reversão de
decretos homologatórios e portarias declaratórias de terras indígenas,
que em parte demonstraram a boa vontade do governo em cumprir com seu
dever de proteger os direitos dos povos indígenas depois da minha
conclusão da missão e das recomendações de meu predecessor", disse.
A extinção da Secretaria de Direitos Humanos e do
Ministério da Cultura, disse Corpuz, "é um fato muito grave diretamente
relacionado ao respeito e proteção dos direitos humanos. Ao final da
minha missão, eu disse que uma tempestade estava aparecendo no horizonte
com a convergência de diversos fatores que aglutinam interesses e
poderes políticos e econômicos da elite, em detrimento aos direitos dos
povos indígenas. O risco de efeitos etnocidas nesse contexto não pode
ser ignorado nem subestimado.”
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