Por Casé Angatu
Antes de discutirmos a fala do ministro da agricultura
começamos com um questionamento que reaparecerá ao longo deste texto. Já
que a ONU constituiu um relatório denunciando que as ações do novo/velho
governo podem produzirem genocídios, como já produziram, indagamos: por
que a ONU não constitui uma campanha internacional de boicote e
exigências ao governo brasileiro para que demarque imediatamente todos
os territórios indígenas, ofereça garantias reais aos territórios
desmarcados, acabe com as criminalizações, prisões e mortes de índios?
Porque a ONU não faz como os países que romperam relações diplomáticas
com o Brasil após o golpe? Ou a ONU vai esperar que ocorram novos
genocídios para depois relatar e denunciar?
Solicitamos a vocês que possuem alguma forma de contato e
articulação com a ONU: falem isto para esta organização e seus enviados.
É necessário ação direta das entidades e figuras nacionais e
internacionais que possuem algum poder de influência contra o estado
brasileiro – instrumento dos algozes dos Povos Indígenas.
Alguns Indígenas, entre os quais nos incluímos,
afirmam há um certo tempo, cerca de 516 anos e de diferentes formas, que
não existem estados, governos e leis feitas por não índios que ofereçam
garantias ao sagrado direito originário dos Povos Indígenas aos seus
Territórios. Não confiamos nos novos e velhos donos do poder. Também não
confiamos na constituição e legislação brasileira que impedem justas
demarcações indígenas e permitem que sejam revistos processos
demarcatórios já efetuados dependendo da ordem política existem. A
constituição e o direito não indígena não nos oferecem garantias.
Escrevemos esta breve introdução para dizer que
não nos surpreende a fala do novo/velho sinistro/ministro da
agricultura, Blairo Maggi, defendendo “uma avaliação racional das
desapropriações de terras agrícolas para fins de demarcação de terras
indígenas” – em entrevista realizada pelo serviço de notícias da Agência
Estado (1). Diz o sinistro ministro: “Não é justo acomodar índio e
desacomodar uma família”.
Reafirmamos que não existem avaliações racionais
não imparciais. Bem como não existem constituições e leis imparciais e
por isto também não confiarmos nas normatizações que nos impõem esta
ordem e progresso que não desejamos. Poderíamos citar uma série de
autores não indígena (desde a antiguidade grega) sobre esta nossa
afirmação. Autores que nos ajudariam a entender o seguinte: toda
avaliação e/ou classificação, racional ou não, possui uma ótica e/ou
lógica parcial sobre o que esta sendo avaliado. Porém, não queremos
tornar este texto um tratado acadêmico, algo que iremos mais uma vez
fazer um dia, mais não agora. Agora trata-se da luta direta.
Cito somente um destes autores não indígenas até
porque é pouco lembrado e estudado: Hans-Georg Gadamer (2). Este
estudioso ao discutir o conhecimento histórico salienta: a “compreensão
histórica” (bem como a compreensão do presente) “é realizada a partir de
pré-concepções (…)”. Para Gadamer, na nossa análise, a “consciência
histórica” seria a “noção que o homem moderno tem de sua historicidade e
da relatividade de toda opinião”, o que possibilita leituras diversas
segundo a perspectiva histórica (ou “horizonte hermenêutico”) adotado.
Porém, podemos também citar a sabedoria indígena
que ao sentir a natureza sagrada ouve seus sentimentos e por
respeitá-los se orienta por eles. A sabedoria natural e sagrada que nos
orienta nos oferece os caminhos a serem percorridos. Esta nossa
sabedoria natural e sagrada orienta nossa compreensão do mundo. Mas esta
sabedoria sagrada e natural o ministro da agricultura não ira alcançar
porque não depende de saques como foi realizado sobre os territórios
originários.
Assim, quando o ministro defende uma revisão
racional ou afirma que “não é justo acomodar índio e desacomodar uma
família” é pertinente ressaltar que esta racionalidade é parcial. Quanto
a injustiça de “desacomodar uma família para acomodar índio”: parece na
fala ideológica do ministro que é um índio individualizado
desacomodando uma família coletiva. Claro que não é assim e nem iremos
nos deter numa argumentação descabida desta. Basta dizer que os Povos
Indígenas são compostos por famílias que a 516 anos foram e ainda são
“desacomodadas” de suas terras, mas isto o ministro não fala.
Também não queremos desacomodar nenhuma família
camponesa. Por isto mesmo lutamos pelo justo direito dessas famílias
deixarem de ser exploradas por ruralistas que enriqueceram utilizando
trabalho escravo e muitos ainda utilizam a escravidão na atualidade.
Perguntado sobre a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 215, que envia ao congresso nacional que
é ruralista a decisão final acerca das demarcação de terras indígenas, o
(si)ministro não disse nem que sim e nem que não, apesar de sabermos
que o novo/velho governo irá apoiar esta PEC. Diz o ministro: “Primeiro é
preciso dizer o porquê dessa vontade de se criar barreiras para que
nasçam tantas reservas indígenas. Com a entrada do PT no governo, veio o
viés ideológico. O viés ideológico do PT é um; o dos produtores rurais é
outro. Então, basicamente a pessoa que não é do campo não entende que
todo produtor rural que é tirado da terra para dar aos índios não recebe
nada. Ele é expropriado. Isso significa, para quem não é do ambiente,
que o governo tira você da casa e não lhe paga nada por isso. Para se
evitar isso é que o Congresso está tentando mudar essa legislação – que
passe pelo Congresso para dar a palavra final.”
Nesta fala evidencia-se que o ministro tenta
apoiar-se no desgaste do governo anterior, culpando o mesmo pelas
demarcações que ocorreram. Esta atitude é uma tentativa de camuflar o
apoia à PEC 215. Porém, ele esquece de dizer que, mesmo mantendo o
processo demarcatório como está através da FUNAI, os Povos indígenas só
são ouvidos graças a atuação de antropólogos sensíveis á nossa luta.
Todos sabemos que a PEC 215 fere a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho- OIT da qual o Brasil é consignatário.
Convenção que garante a consulta prévia aos Povos Indígenas e o direito a
auto identificação. Assim, não tenha dúvida que os próximos ataques
serão contra a Convenção 169 da OIT.
Mas o ministro da agricultura sabe que existem
barreiras concentradas contra a PEC 215 porque ganhou destaque nacional.
Por isto, utilizando a velha astúcia do dominador, o ministro dissimula
e defende a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 71 de 2011, já
aprovada no Senado:
“Eu defendo outra PEC (a 71/2011) aprovada no
Senado e que é bem simples. Ela exige que o governo pague ao
proprietário em dinheiro o valor à vista da terra destinada à demarcação
e suas benfeitorias. Para mim isso resolve todo o problema. As que
foram demarcadas ao Norte foram demarcadas sem briga, pois eram terras
devolutas. À medida que desce para o Sul, cada vez que se tenta demarcar
uma reserva, você mexe com centenas de famílias e fazendas centenárias.
Então, tem uma questão social delicada e não dá para olhar só sob o
aspecto do índio, porque não é justo acomodar índio e desacomodar uma
família. E, muitas vezes, as famílias que têm de sair hoje já foram
famílias sem terra, assentadas por programas de reforma agrária. Essa é
uma discussão que, se tirar o viés ideológico e ficar mais o racional, a
gente acha uma solução.”
Já estamos assinalando à tempo que não basta
derrotar a PEC 215 porque os ruralistas dissimularam as medidas deste
proposta de emenda constitucional em outras tantas propostas e ações,
tais como: a CPI da FUNAI e INCRA, visando criminalizar as demarcações e
seus autores para depois revê-las e o sucateamento da FUNAI. Não é de
hoje que estamos falando aos que lutam por nossa causa que a luta vai
além da PEC 215 e por demarcações.
Na fala do ministro evidencia-se ainda que ele
deseja colocar as demarcações dos territórios indígenas contra outras
formas de justiça social como a reforma agrária. Perguntamos então:
porque ele não faz reforma agrária em suas terras, nas terras de sua
família e de seus aliados ruralista?
Como o próprio texto esclarece: “O senador Blairo
Maggi é membro da família proprietária do grupo Amaggi, um dos maiores
da América Latina no ramo de agronegócio. Ex-governador de Mato Grosso,
ele já foi conhecido como o ‘rei da soja’”. A propósito, após ler a
descrição sobre quem é o ministro da agricultura é preciso dizer algo
mais a quais interesses ele defende e irá defender como ministro da
agricultura?
Destaco que é importante denunciarmos a fala e
ações de pessoas com o ministro e do estado brasileiro. Claro que
denunciar é necessário e, em muitos casos, a única coisa a ser feita por
muitos dos que nos apoiam.
Entretanto e reafirmando, já que a ONU constituiu
um relatório denunciado o que ocorre e, através de sua relatora, chamou
atenção que as ações do novo/velho governo podem produzir genocídios,
solicitamos: por que a ONU não constitui uma campanha internacional de
boicote e exigências ao governo brasileiro para que demarque
imediatamente todos os territórios indígenas, ofereça garantias reais
aos territórios desmarcados, acabe coma criminalização, prisões e mortes
de índios? Porque a ONU não faz como os países que romperam relações
diplomáticas com o Brasil após o golpe?
Solicitamos a vocês que possuem alguma forma de
contato e articulação com a ONU: falem isto para esta organização e seus
enviados. Como escrevemos num outro texto quando o Papa pediu desculpas
pelos crimes ocorridos contra os Povos Originários: só desculpas e
denúncias não bastam! É necessário ação direta das entidades e figuras
nacionais e internacionais que possuem algum poder de influencia contra o
estado brasileiro – instrumento dos algozes dos Povos Indígenas.
Quanto à nós indígenas sabemos que nosso luta irá
continuar…ela nunca parou. É uma luta ritual porque não queremos ou
deveríamos desejar o direito à terra como propriedade, como é comum
ouvir e ler entre muitos que escrevem e falam sobre nossa luta.
Nosso luta e direito é porque somos a terra e a
Natureza Sagrada onde moram nossos ancestrais e encantados. Somos a
terra, a natureza e não a queremos como mercadoria. Queremos a terra
porque somos a natureza sagrada, onde está guardada nossa memória,
ancestralidade e a alma (anga). Na foto anexa reparem que olhamos
intuitivamente para o chão porque respeitamos a sagrada terra de onde
vem nossas energias.
Para quem não é indígena falamos: lutar por este
nosso direito é lutar pelo seu próprio direito à vida. Diz um pensamento
indígena: um dia que não existir mais índio, não haverá mais vida.
Seguiremos afrontando os novos/velhos donos do poder sem temer!
JÁ ESTAMOS RESISTINDO SEM TEMER HÁ MAIS DE 500 ANOS !
Vamo vamo minha gente
Que uma noite não é nada
Vamo vamo minha gente
Que uma noite não é nada
Aqui chegou Povos Indígenas
No romper da madrugada
Vamos vê se nós acabar
Com o resto da empreitada
Vamo vamo minha gente
Que uma noite não é nada
–DEMARCAÇÃO DE TODOS OS TERRITÓRIOS INDÍGENAS JÁ!
– GARANTIAS AOS TERRITÓRIOS DEMARCADOS!
– FIM DAS CRIMINALIZAÇÕES, PRISÕES E MORTES!
– LIBERDADE ÀS NOSSAS PRESAS E PRESOS!
– RESPEITO A ALTERIDADE DOS POVOS INDÍGENAS!
Casé Angatu: Indígena é da Luta Indígena, morador
no Território Indígena Tupinambá na Aldeia Gwarini Taba Atã.
Historiador e Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC
-Ilhéus/Bahia
OBS: o que está escrito neste texto reflete os sentimentos e pensamentos do coletivo de índios do qual somos parte.
_________________
(1) Link da Entrevista:
http://www.issoenoticia.com.br/politica/nao-e-justo-acomodar-indio-e-desacomodar-uma-familia-diz-maggi/19242
(2) GADAMER, Hans-Georg. O Problema da consciência histórica. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 18 e 19.
OBS: não colocamos crédito na foto porque não
sabemos de quem é autoria. Caso alguém saiba, por favor, nos avisem. A
foto foi tirada em 07 de setembro de 2015 em Ato Ritual pela Luta dos
Povos Indígenas que realizamos na Avenida Paulista em São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário