Cimi Regional Mato Grosso do Sul e Aty Guasu
Durante a semana passada, as manifestações sagradas dos Guarani e Kaiowá, entoadas, cantadas e dançadas ao som dos mbarakás, se unificaram para fazer romper o cerco de violência e violações que novamente se intensificaram contra o povo. Entre os dias 14 e 18 de julho, em Arroio Kora, Paranhos, cone sul do Mato Grosso do Sul, durante realização da Grande Assembleia do povo Guarani e Kaiowá, a Aty Guasu, indígenas de todas as regiões, aldeias e acampamentos do estado reuniram-se para proclamar o direito à vida e ao território, além de cobrar o cumprimento de seus direitos constitucionais. Yvy, Teko e Ñee (Terra, Cultura e Língua) foram as bandeiras de luta afirmadas por todos os presentes, do mais jovem ao mais velho dos indígenas.
Na presença do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, deputado Paulo Pimenta, desembargadores, procuradores federais e representantes nacionais da Funai, os Guarani e Kaiowá denunciaram as articulações dos sindicatos rurais e políticos para ações que pregam a violência direta contra os povos indígenas, cobrando posicionamento dos órgãos e punição de discursos de incitação ao ódio proferido por deputados ruralistas e amplamente ventilado na mídia.
Por intermédio de uma carta aberta destinada às autoridades brasileiras, os Guarani e Kaiowá enfatizaram que não desistirão da luta pelos seus territórios ancestrais, cobrando mais uma vez que o Executivo cumpra com seu papel de demarcar as terras indígenas, única medida que pode colocar fim a situação de genocídio que se acirra cada vez mais em meio contra os povos originários.
“Neste Grande Encontro todos concordamos que a luta seguirá e que nossas retomadas seguirão. Do mais novo e pequeno de nós até o mais velho, nosso Rezador, nosso cacique, nossa liderança, nosso professor, nossa mulher, nosso jovem, nosso agente de saúde, todos os presentes estão prontos para continuar a retomada de nossos territórios e nós dizemos aos senhores e senhoras que não recuaremos um só passo”, diz trecho da carta divulgada pelos indígenas.
Leia na íntegra:
Carta da Grande Aty Guasu de Arroio Korá às autoridades brasileiras
Senhores e senhoras autoridades. Falaremos pouco e de maneira direta neste documento. Usaremos poucas palavras porque muita coisa já foi dita, muito documento já foi entregue e mesmo assim muita pouca coisa até então foi feita. A presidência e os Ministérios SABEM de tudo que acontece com nosso povo e são cúmplices do agronegócio e até mesmo parceiros daqueles que nos massacram e sempre nos massacraram.
Por isso, nós, Guarani e Kaiowá de todas os Tekoha do estado do MS. presentes em nossa grande assembleia – ATY GUASU – embalados pelo som do Mbaraka de nossos Nhanderu e Nhandecy, rezadores e rezadoras, decidimos que já é hora de falarmos menos e agirmos mais para defender de uma vez por todas os princípios daquilo que nos mantem como povo, NOSSA YVY, NOSSO TEKO e NOSSO NEE.
Neste Grande Encontro, todos concordamos que a luta seguirá e que nossas retomadas seguirão. Do mais novo e pequeno de nós até o mais velho, nosso Rezador, nosso cacique, nossa liderança, nosso professor, nossa mulher, nosso jovem, nosso agente de saúde, todos os presentes estão prontos para continuar a retomada de nossos territórios e nós dizemos aos senhores e senhoras que não recuaremos um só passo. A partir das retomadas e da luta pela terra buscaremos todos os nossos direitos, na saúde, na educação, nas políticas básicas e em tudo que fortaleça nossa cultura, nossa autodeterminação e nosso modo de ser originário.
Com isso, não estamos dizendo que vamos provocar a Guerra contra o KARAI, mas dizemos com todas nossas palavras e com todo nosso coração que com toda certeza resistiremos com força aos ataques dos três setores do Estado brasileiro, do governo do Estado do MS, do agronegócio, do desenvolvimentismo e das forças de segurança. Não queremos a guerra, mas não fugiremos dela quando fugir significa ver nosso povo morrendo na beira das estradas ou mendigando por condições mínimas de vida humana e de espaço dentro de nossos próprios territórios originários e sagrados.
Vocês, senhores e senhoras que se dizem autoridades, deveriam se envergonhar pela parte que cabe a cada um de vocês no genocídio que é praticado contra nosso povo. A cada dois dias e meio um Kaiowá morre no Mato Grosso do Sul. Todos sabem quem são os assassinos e este crime é praticado a céu aberto, em horário nobre e até mesmo dentro das estruturas que os senhores e senhoras insistem em chamar de casas da democracia.
Hoje, tudo está ligado. O governo estadual coloca abertamente a estrutura do estado, setor jurídico e forças de segurança (D.O.F) para garantir a continuidade do roubo de nossos territórios e do extermínio do nosso povo. Isso esta registrado. Os ruralistas fazem reuniões abertas nos fóruns do Estado e em especial na Assembleia Legislativa como se estivessem em seus sindicatos rurais. Com o apoio do governador e de seus secretários, deputados e ruralistas fazem discursos de morte contra nosso povo, que se transformam na perseguição de nossas lideranças e no ataque direto contra nossos Tekoha. É a pratica concreta do genocídio presente nas palavras e discursos de ódio dos deputados da bancada ruralista que desmontam nossos direitos constitucionais através da PEC 215, PL 227, PL 01216 e tantos outros decretos de morte.
Os ruralistas avançam contra a Constituição em Brasília e contra o povo Guarani e Kaiowá nos nossos Tekoha, porque o próprio executivo garante a eles a paralisação da demarcação de nossas terras e a não publicação e continuação dos estudos de identificação, negando desta forma nosso mais sagrado direito. E para demonstrar ainda mais sua lealdade com o agronegócio, ataca de forma direta nossos direitos através da AGU com a portaria 303 e com o ministro da Justiça, suas minutas e mesas de dialogo. Igual o que faz o estado do MS, o MJ e a Presidência vem se colocando há muito tempo a disposição do ruralismo, e dos setores dominantes e exploradores.
Quanto ao novo presidente da Funai, sabemos que o ministro da Justiça já determinou que ele não continue os estudos de nossos Tekoha, que acabe com nossas retomadas e até mesmo puna servidores da Funai que cumpram com suas obrigações. Dizemos que os Guarani e Kaiowá querem dialogar e serem amigos do senhor presidente, mas isso irá depender de qual lado ele escolher. Denunciaremos todo e qualquer desrespeito a nossos direitos, repressão a nossas comunidades e sucateamento das estruturas locais da Funai.
Enquanto tudo isso ocorre, o Poder Judiciário, através da segunda turma do STF, onde os ministros deveriam ser os guardiões da Constituição, revisam, reduzem e anulam nossas terras já demarcadas através do “Marco temporal”, que impõe de forma criminosa e de má fé que nossas terras só podem ser demarcadas se comprovarmos que estávamos sobre elas em 05 de outubro de 1988 mesmo que os ministros tenham consciência de que muitos entre nós não justamente não estávamos sobre nossas terras porque fomos sequestrados pelo Estado e carregados para reservas criadas pelo próprio Estado ao mesmo tempo que fomos expulsos também pelas balas dos fazendeiros em parceria com o pau de arara e os campos de concentração dos militares.
Nosso povo, por causa do marco temporal e das demais estratégias do ruralismo junto com a justiça, enquanto não tem suas terras demarcadas é despejado pelos juízes locais pagando pelos crimes que o Estado e Governo cometem para que os fazendeiros e os donos dos empreendimentos fiquem ainda mais ricos com a exploração de nossas terras.
Por isso nossa primeira decisão coletiva e unificada é que não haverá nenhum despejo de famílias do nosso povo. Nós nos juntaremos e resistiremos até a morte para defender nossas Tekoha. Tey Jusu, Itágua, Pindoroky, Kurusu Amba, Guyviry e Apykai e todas as outras que sofrerem ataques da justiça pertencem a todo o povo Guarani e Kaiowa e serão defendidos por todo nosso povo.
Falando de Apyka’i, onde o despejo já foi determinado, avisamos que marcharemos de todos os lugares e resistiremos às decisões criminosas do juiz Fabio Kaiut Nunes, o qual acusamos de defender o agronegócio, de propor genocídio e de libertar das decisões da lei os assassinos de nosso povo. Para alem de decretar a morte de Damiana e das famílias de Apyka’i após intervir nas tentativas humanitárias do Ministério Público Federal de garantir as mínimas condições de vida e território para Apyka’i ainda liberou os assassinos da Gaspem (empresa privada de segurança) do pagamento de indenização de bens coletivos para a comunidade de Guayviry onde estes jagunços assassinaram Nísio Gomes, nossa grande e querida liderança. Depois isso, com a estrutura do Estado e da União a disposição, os fazendeiros, junto com DOF e com GASPEM começaram a atacar novamente nossos Tekoha promovendo atos de terror contra nossas comunidades e perseguindo nossas lideranças.
Nossa segunda decisão coletiva é que não recuaremos um só passo de nossas retomadas e dizemos abertamente que enquanto o governo não garantir nosso direito, dar continuidade aos estudos, demarcar e desintrusar nossos territórios, nossas retomadas irão continuar com cada vez mais força. É uma decisão de todo nosso povo e é a única opção que temos de garantir a salvação de nossas terras sagradas. A partir de nossa principal arma, o mbaraká, a terra voltará para nossos velhos e jovens e viveremos plenamente nossa cultura e nossos modos antigos.
Lembramos ao Executivo que seu papel para impedir conflitos e garantir a ordem é cumprir com sua obrigação constitucional de demarcar nossos territórios e não organizar força tarefa para retirar indígenas de suas terras sagradas para despejar na beira das rodovias. Se o Ministro da Justiça tentar avançar contra nossas retomadas isso só fará aumentar o numero de mortes que os ministros e a presidência já carregam nas suas costas.
Para finalizar, reafirmamos que cada um de nós, Guarani e Kaiowa que morrer por conta dos ataques dos fazendeiros e da violência do Governo não serão mais enterrados e esquecidos nos fundos de fazenda ou na beira de rodovias. Levaremos seus corpos e os enterraremos na explanada dos ministérios para que vocês vejam todos os dias as cruzes que vemos e que tenham que conversar com a consciência cada vez que forem rasgar a constituição federal e massacrar nosso povo em nome dos interesses políticos e econômicos que fazem vocês trair o Brasil e seus filhos mais antigos.
Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá
Paranhos, 18 de julho de 2015