Foto _ José Cruz/Agência Brasil.
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No início do mês (06/07), uma portaria assinada pelo Ministro da Justiça, Torquato Jardim, foi alvo de críticas por sugerir a “integração social” de indígenas e quilombolas. De acordo com a portaria, a finalidade era de formular propostas, medidas e estratégias de integração em conjunto com representantes da Funai, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria Nacional de Segurança Pública e Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
Em resposta ao jornal Folha de São Paulo, o Ministério da Justiça informou que: “O Brasil tem um compromisso histórico e a obrigação constitucional de cuidar das demandas indígenas. (…) A portaria será republicada dia 13 com redação em conformidade com as orientações deste Ministério da Justiça e Segurança Pública.”
A resposta também não agradou. O Instituto Socioambiental (ISA), publicou nesta quinta-feira (13), um editorial intitulado de “Indigência indigenista” em que tece duras críticas ao tratamento dispensado pelo Ministério da Justiça aos povos indígenas.
Leia na íntegra:
O tratamento da questão indígena pelo governo de Michel Temer continua sendo bizarro. Supunha-se que, com a substituição de Osmar Serraglio por Torquato Jardim no Ministério da Justiça, seria estabelecido um novo patamar de racionalidade no enfrentamento das demandas indígenas.
Porém, a Casa Civil efetivou Franklimberg de Freitas na presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), consolidando a tutela do PSC sobre o órgão. Também vão se efetivando várias nomeações de políticos para as coordenações regionais da instituição, consumindo o que restou dos cargos de confiança com pessoas sem histórico ou compromisso com os assuntos indígenas.
Mas a semana que passou deu espaço, também, a mais um samba de portarias ministeriais. No dia 6 de julho, Torquato fez publicar a portaria 541, instituindo um grupo de trabalho para promover a “integração social” de índios e quilombolas, composto por representantes da Funai, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria Nacional de Segurança Pública e Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
Além do nonsense relativo ao fim do ato ministerial, o uso da palavra “integração” suscitou questionamentos sobre a sua legalidade, já que a prática histórica de integração forçada dos índios à “comunhão nacional” foi enterrada pela Constituição de 1988.
Nesta quinta-feira (13), a portaria foi republicada (com o número 546), substituindo-se a expressão “integração” por “organização”. Ao que parece, a emenda ficou pior do que o soneto, dando a impressão de que o governo pretende interferir na própria organização social dos índios e quilombolas.
Vale lembrar que, sob a égide da atual Constituição, deu-se uma aproximação sem precedentes entre os povos indígenas e a sociedade nacional. Há 30 anos, o Brasil sequer sabia ao certo todos os povos indígenas que viviam em seu território e onde exatamente se encontram as suas comunidades. Havia uma distância enorme entre a maioria das aldeias e as cidades. Apenas uma pequena parte dos índios dominava o português.
Sem que a lei preconize qualquer violência integracionista, hoje o Brasil sabe quantos são e onde estão os índios, inclusive pequenos grupos isolados que não mantém contato regular com a nossa sociedade (saiba mais nos sites do ISA Povos Indígenas do Brasil e De Olho nas Terras Indígenas). Os índios dispõem de centenas de organizações próprias, assim como de quadros com formação escolar de nível superior. Cerca de 160 índios elegeram-se vereadores e também prefeitos nas últimas eleições municipais.
Além disso, as demandas indígenas por melhores condições de cidadania, por serviços públicos e para a comercialização de excedentes econômicos pouco têm a ver com as competências de instituições ligadas à Segurança Pública. Seria de se esperar a participação dos ministérios da Saúde, dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Social, entre outros, em qualquer grupo de trabalho destinado à melhoria das condições de vida dos índios, até porque essas pastas são responsáveis por investimentos muito maiores nas comunidades indígenas do que os realizados pelo próprio Ministério da Justiça, ao qual a Funai está vinculada.
Vale lembrar, também, que o governo Temer já havia promovido outra dança das portarias, nesse caso da lavra do então ministro Alexandre de Morais, criando outro grupo de trabalho para analisar as demarcações de terras indígenas realizadas pela Funai e também com republicação posterior, não havendo notícia de seu funcionamento efetivo.
Sob Torquato Jardim, parece persistir a orientação de manter paralisados os processos de demarcação, assim como a titulação de quilombos, sob o pretexto de que há vários casos sob judice, o que, ao contrário, deveria ensejar ainda mais atitudes proativas dos poderes públicos no sentido de solucionar as pendências existentes. O governo “usa” o Judiciário como desculpa para não cumprir a sua obrigação constitucional, sinalizando aos interesses contrários às demarcações que basta judicializá-las para paralisá-las indefinidamente.
Ainda por cima, o orçamento da Funai está arrasado, com forte impacto sobre a prestação de serviços. Enquanto isso, a suspensão de serviços pela Polícia Federal, como a emissão de passaportes, ou pela Polícia Rodoviária, como o patrulhamento das estradas, mobiliza o Congresso para suplementar o orçamento do Ministério da Justiça. Para a Funai, o Congresso dedica uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a criminalizar as organizações e militantes que defendem os direitos indígenas.
Infelizmente, o suposto ganho de racionalidade no Ministério da Justiça não foi suficiente para sustar o descaso das instâncias superiores desse governo com o que resta da Funai e da política indigenista. Que ninguém se surpreenda com as consequências.
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