27 de abril de 2017

"Demarcação Já"

Artistas vão à mobilização indígena para apresentar ao vivo a música que virou sucesso na internet, com mais de 600 mil visualizações


Ao fim desta quarta-feira (26), um dia intenso no Acampamento Terra Livre (ATL) repleto de atividades, discussões, mobilizações, assembleias e mais um episódio de desrespeito policial, os indígenas puderam assistir pela primeira vez ao videoclipe da canção “Demarcação Já!” e aproveitar o show de lançamento da música na voz de Djuena Tikuna, Lirinha, Carlos Rennó, Felipe Cordeiro e do diretor de teatro Zé Celso.
Na segunda-feira, foi lançado o videoclipe da canção, que conta com a participação de mais de 25 artistas, entre eles Gilberto Gil, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Arnaldo Antunes, Elza Soares, Criolo, Lenine, Zélia Duncan, Zeca Baleiro e Nando Reis. O vídeo já conta com mais de 600 mil visualizações e 36 mil compartilhamentos.
Segundo o letrista Carlos Rennó, autor da canção, “essa música é em nome de todos os povos originários do Brasil”. Para o diretor do videoclipe, André D’Elia, o objetivo do projeto é ampliar a voz dos indígenas entre a sociedade: “Esse projeto não é só para falar com aqueles que compartilham dessa luta, mas também com aqueles que não a apoiam”.

Após a apresentação do clipe, os artistas animaram o público com a versão ao vivo. Conforme a música ia se desenrolando e o refrão “demarcação já” era repetido, o público elevava a sua voz pouco a pouco, até o ponto em que um coro de centenas de pessoas preencheu o acampamento, encerrando a cantoria como um grande protesto – o que é, de fato, a essência do projeto.
Aproveitando o público vibrante, Felipe Cordeiro e Carlos Rennó apresentaram a canção inédita “Hidrelétricas Nunca Mais”, seguidos por Ian Wapichana, com “Índio Vai Para o Céu?” e “Cerrado em Chamas”, e uma parceria de Djuena Tikuna com Lirinha.
Confira a letra completa de “Demarcação Já!”
Já que depois de mais de cinco séculos
E de ene ciclos de etnogenocídio,
O índio vive, em meio a mil flagelos,
Já tendo sido morto e renascido,
Tal como o povo cadiveu e o panará –
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que diversos povos vêm sendo atacados,
Sem vir a ver a terra demarcada,
A começar pela primeira no Brasil                  
Que o branco invadiu já na chegada:
A do tupinambá –                            
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que tal qual as obras da Transamazônica,
Quando os milicos os chamavam de silvícolas,
Hoje um projeto de outras obras faraônicas,
Correndo junto da expansão agrícola,
Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
Que terra indígena pelo país afora;
E já que o latifúndio é só monocultura,
Mas a TI é polifauna e pluriflora,
Ah!,
Demarcação já!
Demarcação já!
E um tratoriza, motosserra, transgeniza,
E o outro endeusa e diviniza a natureza:
O índio a ama por sagrada que ela é,
E o ruralista, pela grana que ela dá;
Bah!
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que por retrospecto só o autóctone      
Mantém compacta e muito intacta,
E não impacta e não infecta,
E se conecta e tem um pacto com a mata
–Sem a qual a água acabará –,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que não deixem nem terras indígenas     Nem unidades de conservação
Abertas como chagas cancerígenas
Pelas feridas da mineração
E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que tal qual o negro e o homossexual,
O índio é “tudo que não presta”, como quer
Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,
E já que o que ele quer é o que é dele já,
Demarcação, tá?               
Demarcação já!
Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,
Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,
Demarcação lá!
Demarcação já!
Já que é assim que certos brancos agem,
Chamando-os de selvagens, se reagem,
E de não índios, se nem fingem reação
À violência e à violação
De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois índio pode ter Ipad, freezer,
TV, caminhonete, voadeira,
Que nem por isso deixa de ser índio
Nem de querer e ter na sua aldeia
Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.       
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que o indígena não seja um indigente,
Um alcoólatra, um escravo, um exilado,
Ou acampado à beira duma estrada,
Ou confinado e no final um suicida,
Já velho ou jovem ou – pior – piá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural;
Em outros termos, por nos condoermos –
E termos como belo e absoluto
Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,
Xará.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra não perdermos com quem aprender
A comover-nos ao olhar e ver          
As árvores, os pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara  
E a flor de maracujá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pelo respeito e pelo direito
À diferença e à diversidade
De cada etnia, cada minoria,
De cada espécie da comunidade
De seres vivos que na Terra ainda há,
Demarcação já!
Demarcação já!
Por um mundo melhor ou, pelo menos,
Algum mundo por vir; por um futuro
Melhor ou, oxalá, algum futuro;
Por eles e por nós, por todo mundo,
Que nessa barca junto todo mundo tá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que depois que o enxame de Ibirapueras      
E de Maracanãs de mata for pro chão,
Os yanomami morrerão deveras,
Mas seus xamãs seu povo vingarão,
E sobre a humanidade o céu cairá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que por isso o plano do krenak encerra
Cantar, dançar, pra suspender o céu;
E indígena sem terra é todos sem a Terra,
É toda a civilização ao léu                                      
E ao deus-dará,
Demarcação já!
Demarcação já!
Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem mais parola nem pendenga no Congresso,
Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que nas terras finalmente demarcadas,
Ou autodemarcadas pelos índios,
Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,
Mandantes nem capangas nem jagunços,
Milícias nem polícias os afrontem.
Vrá!
Demarcação ontem!
Demarcação já!
E deixa o índio, deixa os índios lá 

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