7 de junho de 2013

Líder terena diz que Governo federal está usando a caneta para matar os índios em MS

"O Governo Federal não está matando o povo indígena do Mato Grosso do Sul e do Brasil com bala não. Ele está matando com a caneta". A afirmação é do líder terena Lindomar Ferreira, dita em entrevista exclusiva ao Midiamax. Ele falou sobre o conflito entre índios e produtores rurais e porque os terenas decidiram lutar até o fim pela terra. Leiam!



Midiamax: Lindomar, como está o clima na região de Sidrolândia?

Lindomar: Está tenso. Ontem, a gente teve a informação que além da pessoa que veio aqui para Campo Grande baleado nas costas, tinham dois desaparecidos. Eu ainda não consegui falar se já acharam ou não[a reportagem apurou que os indígenas foram encontrados].
Na verdade, o que aconteceu lá [na Fazenda São Sebastião] não foi uma ocupação. Parece que em um determinado momento apareceu uma camionete entrando e saindo. Entrava e voltava na aldeia. Esse carro foi para a Fazenda São Sebastião. Chegou um momento, os indígenas foram ver o que estava acontecendo, do que se tratava. Quando eles foram atrás da camionete, sem armas, apenas com a borduna, a lança, essas coisas, chegaram perto da sede e foram recebidos a bala pelos pistoleiros. Uma bala acertou as costas do rapaz. Ele estava indo, mas quando viu que tinha pistoleiro voltou correndo e a bala acabou atingindo as costas dele. Isso aconteceu por voltadas 16h30, 16h40. O nome do rapaz que foi baleado é Josiel Gabriel Alves.

Midiamax: Quantos indígenas moram hoje na aldeia?

Lindomar: A Aldeia Buriti tem sete mil índios. Eram nove aldeias, hoje são onze. Ali vivem sete mil índios. A Buriti é a sede, em volta têm as outras aldeias, como a Oliveira, Água Azul,Córrego do Meio, Lagoinha, entre outras, essas são as maiores.

Midiamax: Como vocês analisam a presença da Força Nacional para intervir nos conflitos em Mato Grosso do Sul?

Lindomar: A presença da Força Nacional aqui, a gente já vinha reivindicado desde o ano passado junto à Secretaria Geral da Presidência, junto à Secretaria de Direitos Humanos, junto ao próprio ministro da Justiça. Sempre levamos a informação que era necessária a presença da Força Nacional, não só no sul do estado, como já tinha, mas também na região norte. Porque? Porque a gente entendia que em algum momento estes acontecimentos iriam ocorrer. Com as ameaças que a gente vive diariamente se fazia necessária a presença da Força Nacional, no sentido, não de proteger A ou B, mas de evitar os conflitos entre os povos indígenas com os produtores.

Midiamax: Vocês acreditam que há esforços por parte do Governo Federal para resolver essa questão?

Lindomar: O que a gente tem assistido e presenciado muito é o Governo Federal, na própria fala do ministro da Justiça, quando ele vem a público no Jornal Nacional dizer que os critérios de demarcação de terras no país precisam ser revistos, dizendo que está errado. Mas, como está errado se a própria Constituição reza que tem que ser daquela forma – que é o Executivo que tem que demarcar terras indígenas? Essa fala do ministro e da ministra da Casa Civil tem demonstrado que eles têm dado motivos para que a classe ruralista vá com todo esse avanço para cima do nosso direito. Estão tentando aprovar a PEC 215, a PEC 238 no Senado e ações do Executivo como a portaria 303, publicada pela AGU. Quem deveria, na verdade, está fazendo a defesa da União está contra.

Midiamax: De onde vem tanta força para lutar? Diante dos conflitos, das mortes?

Lindomar: Essa força vem de Deus, acima de tudo. Tudo porque a luta do nosso povo é fazer a defesa da vida. Se a gente não lutar pelo nosso território o Governo Federal vai nos matar, como está matando. O Governo Federal não está matando o povo indígena do Mato Grosso do Sul e do Brasil com bala não. Ele está matando com a caneta. Publicando projetos de emendas constitucionais, portarias que vão ferir os direitos dos povos indígenas. O direito dos povos conquistados na Constituição Federal de 88.O Governo Federal e os políticos têm tentado acabar com esse direito. O Governo Federal está acabando com o nosso direito, está nos matando.
Se for para morrer dentro da nossa reserva de braços cruzados esperando que de fato o Governo cumpra o que tem que cumprir, então a gente vai brigar. Por isso essa luta pelo nosso território, nem que tenhamos que perder vida, como nós perdemos. Essa é a única alternativa que temos. Não adianta ficar fazendo documento, conversando com o Governo Federal, porque o Governo Federal, de fato, mostrou de que lado ele está.
Recentemente, o Governo Federal liberou bilhões para o agronegócio. Não está dentro do programa do governo que tem que ter um respeito, que tem que ser atendido e respeitado a nossa cultura e suas diferenças.

Midiamax: Qual o significado da terra para o povo terena?

Lindomar: A terra para o povo terena é vida. A terra é acima de tudo o que produz vida, o que produz o alimento de cada dia. Então, sem a terra o nosso povo não tem condições de tocar a vida para frente. A ligação com a terra que nós temos ali. A luta do povo indígena não é por qualquer terra. Para resolver o problema fizeram uma proposta de comprar uma terra na Amazônia, ou qualquer outro lugar. A terra indígena Cachoeirinha é 36 mil hectares. Eles fizeram uma proposta de comprar 100 mil hectares do Reverendo Moon, em Jardim. Mas, não é isso. Não é o tamanho da terra, é a ligação, a espiritualidade que nós temos com aquela terra. Com os nossos ancestrais que estão enterrados naquela terra. Mesmo que dessem um milhão de hectares para nós, a gente não aceitaria.

Midiamax: Então vocês reivindicam essa terra para plantar, para viver?

Lindomar: O povo terena, historicamente, é um povo agricultor. Agricultura familiar. A gente sempre trabalhou disso e viveu disso. Nos últimos tempos que nosso povo tem entrado em uma dependência muito grande das migalhas do Governo. São cestas básicas, Bolsa Família, Vale Renda. Esse tipo de coisas que a gente tem entendido que é uma política compensatória do Governo. Ele te dá uma cesta, mas tira um braço. A gente tem entendido que o Governo Federal tem criado essas políticas para que a gente possa se acomodar e não lutar pelos nossos direitos.
Na região sul do estado, durante um mês a cesta do governo não chegou. A situação de desnutrição se espalhou imediatamente. Na região nossa, a gente ainda tem condição de plantar o mínimo. Um hectare ou meio hectare de um feijão, uma mandioca, uma abóbora, para sobreviver. Mas, nesses últimos tempos nosso território já não tem suportado plantar na área. São 30 anos. Vai chegar um tempo que essa terra não tem mais condições de produzir. A própria terra já cansou, precisa levar para outro lugar para plantar.

Midiamax: Hoje qual o sonho do indígena terena? Você como líder pode falar isso pela comunidade?

Lindomar: O maior sonho é ver nossos direitos sendo preservados. Nosso território recuperado. O maior sonho é que a autonomia do nosso povo seja respeitada.

Midiamax: Existe algo que o Governo Federal possa fazer para apagar essas mágoas e ressentimentos das perdas de território, de vida?

Lindomar: Nenhum, nada que o Governo Federal possa fazer apaga essas marcas. Mato Grosso do Sul, se olharmos um pouquinho na história, dá para entender. Grande parte do estado aqui, hoje seria do Paraguai, se não fossem os povos indígenas enfrentando a guerra. O povo Guarani, o povo Kadiwéu, o povo Terena. No Estado, muitas das vezes, as pessoas que estão no comando, não conhecem de fato o que é o Mato Grosso do Sul. O André Puccinelli não sabe o que é o MS. Não sabe a história do povo indígena. Mato Grosso do Sul hoje é o que é porque os povos indígenas foram para o enfrentamento na Guerra do Paraguai.

Midiamax: Você sabe quantos índios já morreram em confronto na luta pela terra?


Lindomar: No MS, nós já perdemos 289 lideranças nesse enfrentamento de luta pela terra.

Midiamax: As demarcações vão ser feitas com estudo do Ministério das Cidades, Desenvolvimento Agrário, Embrapa e Incra. O senhor acha que o povo indígena perde com isso.
Lindomar: É exatamente com falas como essas, com atitudes como essas é que o Governo federal tem tirado a vida do nosso povo. O trabalho de identificação antropológico, identificação das terras indígenas não é os antropólogos que fazem, e os próprios anciãos da nossa comunidade. Você sendo antropólogo você vai lá e colhe o depoimento dos anciãos, onde que passa a terra monta um estudo. Só com a Funai já tem demorado todo esse tempo, com o Executivo, imagina indo para o Ministério das Cidades. O que eles entendem de questão indígena. O que a Embrapa tem a ver com essa questão? O que ela de fato quer. Essa responsabilidade eu não quero mais, então vou jogar para alguém. Então, o Governo Federal demonstra que não tem compromisso de resolver a questão, quer empurrar com a barriga para outro resolver.

Midiamax: Alguma coisa mais a acrescentar? 

Lindomar: Quero dizer que a luta dos povos indígenas é tomada por decisões próprias. Deixar claro para a sociedade, diferente do que algumas imprensas têm colocado e os próprios ruralistas, que tem alguém por trás da nossa luta. A gente sabe que o povo indígena tem autonomia própria para saber o que é melhor. A Constituição Federal garante que você pode ter um advogado pela lei, mas que pode ter um particular.
E os povos indígenas tem se organizado dessa forma. Nós temos a Funai, os procuradores da Funai que fazem a defesa, temos o MP, que faz defesa dos povos indígenas, e nós temos outros advogados, para fazer essa defesa do nosso povo. Não tem Ong nenhuma, não é a Funai. A Funai, pelo contrário, o que a gente decide eles tem que defender, querendo ou não.




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