Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação - Cimi
A Terra Indígena Arariboia voltou a arder em chamas dez anos depois do primeiro incêndio de grandes proporções, neste século. No sudoeste do Maranhão, pelo terceiro ano consecutivo, o fogo destrói a floresta, mata animais, transforma em cinzas árvores e coloca em risco a vida do povo Guajajara e dos grupos Awá-Guajá, que vivem em situação de isolamento voluntário. Neste momento, estes indígenas correm o risco de serem contatados para assim transferidos de suas áreas tradicionais de perambulação.
Conforme Frederico Guajajara, integrante da Comissão de Caciques e Lideranças da TI Arariboia, desde 2015, ocasião em que mais da metade da terra indígena de 413.288 hectares queimou, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem a intenção de transferir os Awá isolados para a Terra Indígena Karu, município de Bom Jardim, noroeste do Maranhão. Fontes consultadas na Funai afirmam que a iniciativa é de fato considerada pelo órgão. Para os Guajajara, o órgão indigenista do Estado prefere retirar um povo de seu local de vida, e que representa uma das garantias de preservação da floresta, ao invés de ajudar os Guajajara a fiscalizar o território, mobilizando o Ibama e a Polícia Federal para coibir os invasores, reconhecidamente indutores dos incêndios na terra indígena.
"Somos contra ter contato com eles. A Funai usa os Awá de recente contato pra ter contato com quem não tem. Pra botar na cabeça deles de que é melhor sair de onde eles estão por conta das queimadas. Botar tudo isso na cabeça deles pra transferir da Arariboia pra Karu. Tá errado, porque eles não conhecem esse outro lugar. Sou contra isso. O que eu quero é proteger, fiscalizar e monitorar com fiscalização permanente, capacitar os guardiões, os agentes", diz a liderança que mora na aldeia Jussaral, um dos pontos de concentração de brigadistas que combatem as chamas.
A TI Karu possui 118 mil hectares e tal como a Arariboia é habitada pelo povo Guajajara, além dos Awá-Guajá de recente contato e grupos sem contato algum com a sociedade branca que os envolvem. Na Karu ocorreu o contato com duas indígenas Awá, Jakarewyj e Amakaria, em 2015, que doentes foram buscar ajuda de seus parentes de recente contato. Ambas inicialmente se recuperaram e voltaram para o seu grupo, mas Jakarewyj acabou morrendo. Justamente pelas semelhanças entre as terras, a ideia de transferência dos Awa isolados da Arariboia para a Karu levanta preocupações.
Invasões de madeireiros, caçadores e incêndios compõem também a vida na TI Karu. No ano passado, as chamas destruíram áreas próximas aos isolados Awá desta terra indígena. O que, de nenhum modo, os Awá deixariam de conviver com tal realidade. Para o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, Gilderlan Rodrigues da Silva, "a Funai não está preparada para uma ação destas. Um exemplo é o caso das duas Awa. Por outro lado, uma vez tendo contato com os Awá da Arariboia, e a transferência para a Karu, pode significar o fim deste grupo na Terra Indígena Arariboia. Não estão preparados, não é possível controlar os desdobramentos da ação para os isolados e isso nos preocupa muito".
Crédito da foto: Frederico Guajajara
Início do incêndio
Este ano, as primeiras chamas começaram a queimar na Terra Indígena Arariboia no final do mês de junho na porção que faz divisa com o município de Arame. No dia 13 de agosto, o fogo chegou perto das aldeias. Duas brigadas, reunindo 26 indígenas Guajajara treinados, trabalham em turnos para combater o incêndio. Representantes do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), órgão do Ibama, realizaram um sobrevoo de reconhecimento com os Guajajara e instalaram duas bases nas aldeias Jussaral e Zutiua.
"O incêndio começou em áreas onde os invasores entram. Isso é sabido por todo mundo. A gente até já apontou pro Ibama, pra Funai. Porque madeireiro não entra só pra tirar madeira: monta acampamento, faz comida. Caçador também. Então eles fazem fogo e não apagam direito quando vão embora. E eles sabem que nessa época do ano o fogo pega rápido", aponta Zezico Guajajara, da aldeia Zutiua. Os Guajajara, e possivelmente os Awá isolados, ainda se recuperavam dos incêndios de 2015 e 2016.
Frederico Guajajara afirma que roças foram perdidas, caças voltaram a sumir, a coleta na mata não é mais possível e fontes de água secam a cada incêndio. "Hoje corremos o risco de não fazer as nossas festas tradicionais. Daqui uns anos, se continuar assim, não tem mais floresta, a natureza pra os nossos filhos conhecer o caititu, a cotia, os animais todos, as árvores, essa beleza toda. Isso não é genocídio? Porque se a gente não tem isso, acabamos", enfatiza a liderança Guajajara.
O Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou até esta sexta-feira, 29, 2500 focos de incêndio em Grajaú, uma das cinco cidades que ladeiam a Arariboia - a cidade está no ranking dos dez municípios brasileiros com mais focos de incêndios acumulados nos últimos cinco anos, e em 2017. Foram 60 dias de combate ao incêndio até o seu controle definitivo, em 2015, com brigadas vindas de outros estados. Este ano, os Guajajara já combatem o fogo há 90 dias - sozinhos. "Precisamos de fiscalização permanente e para isso acontecer o Estado precisa ajudar", diz o Guajajara.
Conforme os Guajajara, o fogo começa a entrar na mata virgem. Até o momento, queimou sobretudo locais castigados pelo incêndio de 2015. "Precisamos de reforço pra chegar em áreas de difícil acesso. Por terra é complicado. Queremos uma aeronave pra transportar os brigadistas pra cabeça do fogo dentro da mata. A cabeça é o principal. Se combater ali, conseguimos controlar. Hoje nem mandioca mais tem pra fazer farinha. Fica difícil de fazer o trabalho, mas vamos seguir na luta", encerra Frederico Guajajara.
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