21 de setembro de 2017

Comandante do Exército repete fala dos ruralistas sobre Amazônia

Assim como deputados da Frente Agropecuária, ele diz que “ONGs internacionais” usam ambientalismo e indigenismo para neutralizar a exploração dos recursos na floresta

Por Cauê Seignemartin Ameni em
De Olho Nos Ruralistas

O comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, tem sido chamado pela imprensa nos últimos dias para comentar a fala do general Antonio Hamilton Mourão, em uma palestra promovida pela maçonaria em Brasília, sobre a possibilidade de “impor uma solução” para a crise política no país. Em entrevista ao programa do apresentador Pedro Bial, na Globo, o general rejeitou punir o comandante pelas declarações e alegou que ele foi mal interpretado. Outro ponto da entrevista foi menos repercutido: a visão do comandante sobre a Amazônia.

A leitura de Villas Bôas é muito semelhante à dos deputados ruralistas Alceu Moreira (PMDB-RS) e Luis Carlos Heinze (PP-RS), integrantes da tropa de choque da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), expostas no documentário “Sem Clima“, realizado pelo De Olho nos Ruralistas. Existe uma percepção de que a política para a Amazônia é controlada por “ONGs internacionais”, que impediriam o avanço do agronegócio e da mineração. E uma visão de que Terras Indígenas e Unidades de Conservação não podem ser entraves ao “desenvolvimento”.

O comandante do Exército serviu oito anos na região. Ele considera as informações sobre a floresta que chegam no centro-sul muito filtradas pelo “pensamento politicamente correto”. Em sua visão, a Amazônia é o grande passivo do Brasil. E seria mal utilizada por três motivos: 1) metade do território ainda não está integrada nacionalmente; 2) ela abriga US$ 23 trilhões de recursos naturais (entre recursos minerais, metálicos e a biodiversidade); 3) contém respostas para grandes problemas mundiais, como clima, água e produção de alimentos.

Por conta disso, diz o general, o bioma é alvo de um processo para esvaziar a soberania da região e neutralizar a exploração dos recursos por meio do uso de ONGs internacionais:

– Quando se iniciou o processo de descolonização, os grandes países perderam o controle de recursos naturais. Então o modus operandi alterou-se. Manipulando esses conceitos de ambientalismo e indigenismo através de ONGs.

Não se pode definir esse entendimento como nacionalista: pois Villas Bôas diz que essas políticas tiram o país da competição no mercado internacional. Nesse sentido sua leitura se aproxima também daquela do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), ministro da Defesa entre 2015 e 2016, ex-presidente da Câmara e relator da primeira versão do Código Florestal, hoje em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011.

A maioria do STF votou ontem contra a suspensão da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, em denúncia por organização criminosa e obstrução da Justiça movida pela Procuradoria-Geral da República.

‘FAZEM CAMPANHAS APÓS A IDENTIFICAÇÃO DE JAZIDAS’

Para o general, é tudo milimetricamente calculado. “Temos quase 40% da Amazônia como terra indígena ou Unidades de Conservação (UC) e via de regra elas estão sobrepostas em jazidas minerais importantes”, afirma. Quando questionado sobre a extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), no Pará e no Amapá, decretada pelo governo em agosto, ele respondeu:

– Isso faz parte de um script: primeiro, identificado o recurso natural – às vezes até mesmo o Brasil não está consciente dessa identificação, surge internacionalmente um campanha para a criação de uma UC ou uma Terra Indígena.

A tentativa de extinção da Renca foi um dos reveses mais recentes do governo Temer, que apresenta apenas 3,4% de popularidade e 75,6% de avaliação negativa. Sua reprovação pessoal é de 84,5%, um recorde, segundo a última pesquisa CNT/MDA. Uma das culpadas? Segundo o governo, a top model internacional Gisele Bündchen. Ela foi uma das vozes que reagiram à abertura da reserva na Amazônia – alcançando repercussão em jornais de todo o mundo.

Em março, na mesma loja maçônica em que o general Antonio Hamilton Mourão defendia “intervenção”, Villas Bôas desenvolveu mais sua teoria. Ele enxergou um número de 300 mil ONGs atuantes no Brasil e associou o ambientalismo a uma estratégia de parte da “esquerda nacional”: “Depois da queda do Muro de Berlim [em 1989], uma parte política, principalmente da esquerda nacional, abraçou esse pensamento politicamente correto”. 

O general também não poupou críticas à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1989, que exige o consentimento dos povos indígenas para as obras em seus territórios. Na semana passada, durante o Rock in Rio, a líder indígena Sonia Bone Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), apresentou-se no show da estadunidense Alicia Keys, em defesa da Amazônia.
Sonia Guajajara, líder indígena, com a cantora Alicia Keys no Rock in Rio

GREENPEACE, ISA E APIB REBATEM O GENERAL

Representantes da Apib e das ONGs Greenpeace e Instituto Socioambiental (ISA), esta última especializada em tema indígenas, rechaçaram à Folha as teorias do general. Por exemplo, Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace:

– Essa é uma estratégia já muito conhecida, usada inclusive aqui no Congresso, de usar um inimigo inexistente apenas para validar os absurdos que eles defendem. Além da alucinação, existe aí uma mentira muito simples de ser desmascarada. Por exemplo, nós temos um ministro de Minas e Energia que vai ao Canadá conversar com mineradoras para entregar um pedaço da Amazônia e nós, as ONGs, queremos que esse pedaço de floresta permaneça sob a tutela do Estado.

Astrini lembra que há no Congresso um projeto de lei para venda de terras para estrangeiros: “Nós somos contra. A prática deles é que internacionaliza a Amazônia”.

Confira aqui as opiniões do deputado Alceu Moreira, que presidiu a CPI da Funai e do Incra (onde indiciou lideranças indígenas, antropólogos e procuradores, entre outros), expostas em entrevista ao De Olho nos Ruralistas em novembro:


Uma das coordenadoras do ISA, Adriana Ramos, diz que o o número de 300 mil ONGs estimado pelo general é “inflado”, uma vez que abrange todas as organizações não governamentais, como as associações religiosas. Kleber Karipuna, da Apib, define a Convenção da OIT – criticada pelo militar – como “uma grande conquista do movimento indígena e uma luta pela garantia da autonomia e maior participação dos povos indígenas nas tomadas de decisão sobre o seu modo de vida”.

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