7 de junho de 2017

Aty Guasu divulga carta e volta a pedir à União Europeia a criação de "barreiras humanitárias"

Mulheres indígenas Guarani e Kaiowá. Crédito da foto: Tiago Miotto/Cimi

Conselho Aty Guasu Guarani e Kaiowá
em Cimi

"A crise que chega agora para muitos brancos já estava apontada contra nosso povo". A frase está logo no início da carta final da Grande Assembleia do Conselho Aty Guasu, principal organização política do povo Guarani e Kaiowá, reunido entre os dias 29 e 31 de maio deste ano no tekoha - lugar onde se é - Arroio Kora (MS).

"Não há nada de novo, mas talvez desta vez o Karai (branco) se convença de que deve mudar seu modelo de desenvolvimento e construir um modelo que valorize a vida de muitos ao invés do lucro de poucos", segue o documento. Para os Guarani e Kaiowá, a decisão de anos anteriores está mantida: as retomadas seguirão com a própria vida dos indígenas "na linha de frente".

Os Guarani e Kaiowá reforçaram o pedido à União Europeia para a criação de "barreiras humanitárias" que impeçam a entrada de produtos do agronegócio no grupo de países do Norte quando afetam de forma genocida a vida dos povos indígenas e demais populações do Sul.

Leia a carta na íntegra:

CARTA DO GRANDE CONSELHO DA ATY GUASU

ARROIO KORA - 31 de maio de 2017

Nós, rezadores, lideranças, jovens e mulheres que somos Conselheiros da grande Assembleia ATY GUASU Guarani e Kaiowa afirmamos em meio a esta crise política e econômica que vive o país que continuamos firmes na luta pela terra e pela liberdade de nossos territórios tradicionais e sagrados.

A crise que chega agora para muitos brancos já estava apontada contra nosso povo a muito tempo e sempre foi causada pelos mesmos inimigos. Pela ganância do agronegócio e pelos setores econômicos nacionais e internacionais que exploram nosso país, compram os políticos e o Congresso Nacional, assassinam nossos povos, destroem a natureza e vendem a terra como mercadoria. Não há nada de novo, mas talvez desta vez o Karai se convença de que deve mudar seu modelo de desenvolvimento e construir um modelo que valorize a vida de muitos ao invés do lucro de poucos. Convidamos a todos os aliados, do campo e da cidade,para lutar junto aos Guarani e Kaiowa contra este modelo opressor e enquanto isso afirmamos que SEGUIREMOS COM NOSSAS RETOMADAS E COLOCAREMOS NOSSA PRÓPRIA VIDA EM LINHA DE FRENTE para que nossas terras sejam devolvidas a nosso povo, para que o agronegócio seja derrotado e para que a vida de nosso povo e de todos os povos possa ser enfim respeitada.

A poucos dias, desabou para fora do Ministério da Justiça, Osmar Serraglio, inimigo declarado dos povos indígenas do Brasil. Isso demonstra que o Presidente quer esconder parte da sujeira ruralista para debaixo do tapete, mas sabemos que o Congresso e os palácios ainda estão cheios deles. Através desta frente Ruralista criaram a CPI da FUNAllNCRA onde passaram a perseguir os povos indígenas e os apoiadores e até mesmo procuradores do Ministério Público Federal. Continuaremos enfrentando os Ruralistas e suas propostas genocidas como a PEC 215 e todas as demais que afetam a terra e seus povos. Não descansaremos até que todos caiam e que caia com eles o presidente Temer.

Combateremos este governo e todas as suas reformas como a Reformas da Previdência, Reforma Trabalhista Rural e as emendas e leis que querem vender as terras brasileiras ao estrangeiro e enfraquecer as terras indígenas, quilombolas e camponesas, Repudiamos a última decisão em relação a Migração que diz que para os povos indígenas não Existem as livres fronteiras. Para nós não existem limites para nossos passos e para que possamos visitar nossos parentes. Continuamos vivendo em nossos YVY RUPÁ e os limites de nossa grande nação não são enquadrados pelas fronteiras dos estados nacionais criados sobre nossos territórios.

Exigências da Aty Guasu:

Em março deste ano, a FUNAI através de seu presidente Toninho Costa na presença do Ministério Público Federal prometeu honrar o compromisso com o povo Guarani e Kaiowa e voltar a cumprir o TAC de 2007 onde estão acordados os estudos e as publicações de muitos dos nossos territórios tradicionais. A FUNAI prometeu que voltaria em Maio com seus técnicos e chefes de setores para repassar ao nosso povo um "Diagnóstico" avançado de como está o estudo em cada uma de nossas terras, o que falta para publicá-las, e de forma imediata recomeçar os estudos e os GTs para finalizar os relatórios circunstanciados que estão faltando desde 2009.

Exigimos que esta reunião aconteça de IMEDIATO e que a FUNAI honre sua palavra. Exigimos também que o MPF não descanse de cobrar multa de 1000 reais da FUNAI todos os dias de atraso até que todos os relatórios de nossas terras estejam publicadas e encaminhados para o Ministério da Justiça como cobra o TAC. Queremos que o MPF multe também o Ministro da justiça pelo não cumprimento de sua função enquanto não se cumpre o TAC e as declarações de nossas Terra.

Exigimos que a FUNAI seja respeitada e que invés de CPI que nasce da loucura e das invenções dos Ruralistas seu orçamento seja respeitado para poder cumprir suas demandas junto aos nossos povos. Hoje a FUNAI tem apenas 40 milhões, o que não permite que o órgão funcione nem nove meses se apenas pagasse seus gastos administrativos e com pessoal sem executar nenhuma atividade de apoio e assistência aos povos indígenas.

Exigimos do Governo Federal a demarcação e homologação de todas as nossas Tekoha. Enviaremos também esta carta ao Exterior, ao Parlamento Europeu, para a ONU, para a Corte Inter-americana para pedir que continuem se esforçando para cobrar que o Brasil cumpra a constituição e demarque nossos territórios. Assim como existem as "barreiras sanitárias" para impedir problemas de saúde entre a América e a Europa, pedimos que os europeus levem em conta as "barreiras humanitárias" e que ajudem a pressionar as empresas que não compre produtos (gado, sementes, cana ... ) de produtores que usam nosso território com agronegócio e causam com isso o assassinato de nossas lideranças e o genocídio de nosso povo Guarani e Kaiowa. Lembramos que nos últimos anos foram assinados 390 Guarani e Kaiowa, mais de 16 lideranças importantes de nosso povo e que entre 2015 e 2016 sofremos mais de 33 ataques paramilitares dos fazendeiros.

Não aceitaremos nenhuma proposta de compra de terra para nosso povo. A terra não é mercadoria, não se compra nem se vende. Por isso denunciamos as intenções do governo e dos setores econômicos para tentar negociar as terras ancestrais de nosso povo, comprando outros espaços ou tentando comprar nossas lideranças para construir condomínios, vilas, redes elétricas ou fazer grandes projetos. EXIGIMOS A DEMARCAÇÃO DE NOSSAS TERRAS TRADICIONAIS.

Exigimos também o abandono imediato do MARCO TEMPORAL, uma arma ruralista que esta sendo usada pelo judiciário. No MS, em SP e no STF estão querendo anular nossas terras, trair a constituição e matar nosso povo através deste instrumento de morte. Combateremos com todas nossas forças todo Governo e toda a corte que tentar utilizar este absurdo para destruir nosso direito.

Em relação a Saúde e a educação exigimos respeito dos órgãos responsáveis e que essas políticas sejam destinadas a todas as nossas famílias em especial nas nossas Retomadas. Políticas que são direitos humanos não podem ser negadas para punir aqueles que lutam pela terra. Exigimos que postos de saúde, atendimento de equipes de saúde, escolas e contratação de professores sejam imediatamente implementados nos nossos territórios de retomadas.

Em relação a educação exigimos que aconteça onde os indígenas estiverem, por isso exigimos do MEC respeito a nossa educação diferenciada Guarani e Kaiowa e que crie um diálogo entre MEC e Aty Guasu através do FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO INDÍGENA para regularizar esta situação e começar a pagar esta dívida com nosso povo através da implementação de escolas e contratação de professores.
Nós da Aty Guasu, exigimos que o estado e os municípios conheçam e cumpram a diretriz nacional de educação escolar indígena de 2012 e diretriz estadual de educação escolar indígena de 2015.

Exigimos também a volta da "Operação Guarani" da FUNAI e exigimos que Polícia Civil, DOF, Polícia Militar não oprima mais nosso povo e respeite as formas específicas de lidar com os povos indígenas através da Polícia Federal sempre acompanhada pela FUNAI.

Em solidariedade aos Camponeses lamentamos e repudiamos aqui os mais de 20 assassinatos contra o povo Sem Terra e do campo neste primeiro semestre. Isso só comprova que o Estado, com suas forças de segurança e junto a milícias privadas continua sendo um opressor daqueles que lutam pela vida. O povo Guarani e Kaiowa demonstra sua solidariedade e reafirma que estamos juntos contra estes massacres promovidos pelo Estado e pelo Agronegócio.

Queremos Reforçar também que somos contrários ao FÓRUM DE CACIQUES que foi criado por Ruralistas da Assembléia Legislativa e tem a função de combater a luta do Conselho da Aty Guasu e do Conselho Terena que estão em luta pela terra e pelos direitos de nossos povos. Este FÓRUM não fala pelo nosso povo e só a ATY GUASU nos representa. Da mesma forma repudiamos qualquer liderança que de maneira individual tente falar em nome da ATY GUASU.


Assinam abaixo, as lideranças participantes da ATY GUASU da Tekoha Arroio Kora -29 a 31 de Maio de 2017.

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