Várias etnias ganham representação nas Câmaras e até em prefeituras; entre os eleitos estão vereadores Terena, no MS, da região onde há mas violência contra os povos originários no Brasil
Por Alceu Luís Castilho em De Olho nos Ruralistas
Eles existem. O Acre elegeu o primeiro prefeito indígena de sua história, o professor Isaac Pyânko (PMDB), em Marechal Thaumaturgo. Ele é do povo Ashaninka, do Rio Amônia, no Alto Juruá. O município soma-se a São Gabriel da Cachoeira (AM) e São João das Missões (MG) entre os que conseguem emplacar indígenas na prefeitura. Isaac se soma a dezenas de vereadores eleitos em várias Unidades da Federação, do Ceará ao Mato Grosso do Sul. Uma simples olhada para as fotos dos eleitos mostra uma diversidade pouco vista no universo – majoritariamente branco – dos demais eleitos no Brasil.
De Olho nos Ruralistas fez um levantamento preliminar dos candidatos indígenas eleitos. (Se o leitor tiver mais nomes, favor enviar.) Eles estão filiados a diversos partidos. Em alguns casos, competiram em chapas diferentes. Alguns aparecem entre os mais votados em seus municípios.
Em Atalaia do Norte (AM), no Vale do Javari, a Câmara Municipal terá seis vereadores indígenas, em onze vagas possíveis. São eles: Marcelo Marke Turu Matís (PSDB, na foto principal, da etnia Matís, contactada somente no fim da década de 70; Gilson Mayuruna (PMDB), o Gaúcho, e Cesar Mayuruna (PSL),, dos Mayuruna (Mayoruna, ou Matsé, também presentes no Peru); Manoel Churimpa (PROS), e Armando Marubo (PSDB, o mais votado), ambos do povo Marubo; e Adelson Saldanha, o Kora (PT).
No extremo noroeste do país, São Gabriel da Cachoeira (AM) elegeu novamente um prefeito indígena: Clovis Curubão (PT). O vice-prefeito eleito, Pascoal Alcântara (PT), idem. Entre os vereadores eleitos aparecem Anderson Yanomami (PSL) e Basilio Kuripaco (PSL). Ainda no Amazonas, Benjamin Constant teve vários candidatos, mas não identificamos nenhum indígena entre os mais votados. Jaime Piasan (PV) foi eleito vereador em Normandia. (Não identificamos a etnia.)
Em Jacareacanga (PA), Hans Munduruku foi eleito vice-prefeito, pelo PSC. Os Munduruku também elegeram o tucano Giovani Kaba, vereador mais votado no município, e Elinaldo Crixi (PMDB). Vários Kayapó tentaram se eleger no sul do Pará, sem sucesso. No Amapá, a Rede elegeu como vereador Jawaruwa Waiãpi, no município de Pedra Branca do Amapari. Em Roraima, Grigorio Lima, também da Rede, foi o mais votado em Uiramutã. Ele é da comunidade indígena Pedra Branca, na Raposa Serra do Sol.
Três indígenas da etnia Xerente foram eleitos em Tocantínia (TO): Valci Xerente (SD), Ivan Xerente (PV) e Raimundo Xerente (PSDB). O município tem a língua Akwé Xerente como oficial. Em Sandolândia (TO), Cristina Karaja (PSB) foi a segunda mais votada para a Câmara. Formoso do Araguaia (TO) elegeu Robson Haritianã (PRTB).
Marcelo Marke Matís, eleito vereador em Atalaia do Norte (AM). (Foto: Associação Indígena Matís – Aima-Matís |
No Ceará, o advogado Weibe Tapeba (PT) foi eleito vereador em Caucaia. É o único do PT no município. Em Monsenhor Tabosa, Vicentinho Potyguara (PCdoB) foi não somente reeleito, mas o mais votado, ao lado do tucano Kaio Souto, neto do ex-prefeito e pecuarista José Souto. Os Potiguara estão presentes também na Paraíba e constituem a etnia mais numerosa do Nordeste. Os Tapeba estão restritos ao Ceará, na região de Fortaleza. No século 19, o estado chegou a declarar que não tinha mais indígenas.
A Paraíba elegeu vereadores Potiguara em três municípios. Em seu terceiro mandato, a cacique Claudecir Braz (PMDB), a Cal, foi a terceira mais votada em Rio Tinto, que elegeu também o Cacique Sandro (PSB). O município de Baía da Traição terá os vereadores Betto Bass (PRB) e Lú de Pompeu (DEM). Finalmente, em Marcação, foram eleitos nada menos que seis parlamentares — entre nove vereadores – da etnia. Quatro deles estão entre os cinco mais votados: Rafael Santos (PSB, o 1º), Giovane Cândido (PSD, o 2º), Rauny Barbosa (PR, o 4º) e Gillard de Grupiúna (PSL, o 5º). Os outros são Joseane de Lima (PRB) e Samuel Santos (PSL). Baía da Traição e Marcação têm hoje prefeitos indígenas, refletindo a proporção populacional (70%), mas os eleitos não são.
Em Pesqueira (PE), o presidente da Câmara – Sil Xukuru (PTB) – foi o vereador mais votado. Com mais três vereadores indígenas eleitos: José Carlos Índio (PRP), Expedito Cabral (PSC), o Biá, e Severino Índio (PTB). Todos Xukuru, etnia que vive na cidade e na Serra de Ororubá. Em Fernando Falcão (MA), vários candidatos Canela tentaram a Câmara. Mas somente Raul Canela (PSDB) conseguiu. Três Pankararu tentaram em Tacaratu (PE). Quem chegou lá foi Celo Pankararu (PV). Em Jatobá, ainda em Pernambuco, três Pankararu foram eleitos: Ronaldo de Valdenor (DEM), Cleomar (PV) e Zezão (PSB).
Gerson Pataxó (PT) foi o segundo mais votado em Pau Brasil, na Bahia. O PT também elegeu Cacique Flavio, do povo Kaimbém, em Euclides da Cunha. Cacique Aruã (PCdoB) passou raspando em Santa Cruz Cabrália, mas não entrou – embora tenha tido mais votos que três entre os eleitos. Porto Seguro elegeu o Cacique Renivaldo, mais um da etnia Pataxó. É um dos poucos que não aparecem na lista de candidatos indígenas feita pela Rádio Yandê.
CENTRO-OESTE
No Mato Grosso do Sul, o professor Eder Oliveira (PMDB) foi o candidato mais votado em Dois Irmãos do Buriti. O município elegeu também o tucano Eber Reginaldo. Em Sidrolândia (MS), Otacir Figueiredo (PROS), o Gringo, também conseguiu uma vaga na Câmara. Em Miranda, Adilson Antonio (PSL) o Zebra. E, em Nioaque, Vadeci Reis foi o segundo mais votado. Gringo, Eber, Eder, Adilson e Valdeci são da etnia Terena – que, ao lado dos Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva, é vítima da violência contra povos indígenas territorialmente mais concentrada do Brasil.
O Mato Grosso elegeu Mutua Mehinaku (SD), do povo Kuikuro, em Gaúcha do Norte. Ele é mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com dissertação sobre o pluralismo de línguas e pessoas no Alto Xingu. Claudio Werikina Karaja (SD) foi eleito em Luciara (MT) e representará os Karajá.
Em Bom Jesus do Araguaia (MT) o segundo vereador mais votado foi um Xavante, Vanderlei Temireté (PSDB). Ele é da Terra Indígena Marãiwatsédé – invadida na última década por fazendeiros, muitos deles políticos. A etnia também emplacou um vereador em Santo Antônio do Leste (MT), Leonardo Xavante (PV). Em Campinápolis (MT) vários Xavante tentaram a Câmara – mas nenhum se elegeu. O povo Xavante foi o único no Brasil a eleger um deputado federal, Mario Juruna, nos anos 80.
SUDESTE
Não conseguimos identificar nenhum eleito na região Sul. No Sudeste, o terceiro mais votado – reeleito – para a Câmara de Carmésia (MG) foi Alexandre Borges de Jesus (PT), o Xé Pataxó. Em Santa Helena de Minas (MG), no Vale do Mucuri, Margarida Maxacali (PRB) foi a segunda mais votada. E Maria Diva Maxacali (PMDB) é a nova vice-prefeita. Isael Maxacali (PP) também representará a etnia, só que na vizinha Ladainha (MG).
Minas Gerais também elegeu um prefeito, Zé Nunes (PT), em São João das Missões. De quebra, a vice-prefeita, Dona Zita, e os vereadores Zinho de Merindo (PT), Dão de Rosavo (PT), Otelice Nunes (PTB) e Wagney de Dario (PSD). Todos graças aos votos do povo Xakriabá.
COMPRA DE VOTOS
Houve tentativa de comprar votos indígenas em pelo menos dois municípios do Mato Grosso, Comodoro e Pontal do Araguaia. O mesmo aconteceu em Amaturã, no Amazonas. Um comerciante aliciava os eleitores em plena praça no centro do município. Em Miranda, no Mato Grosso do Sul, um homem foi preso no dia 26 de setembro por compra de votos em uma aldeia indígena. Ele é filho da prefeita eleita, Marlene Bossay (PMDB), produtora agropecuária.
Em Jenipapo dos Vieiras, no Maranhão, a candidata Abigail Cunha (PSDB) apareceu com polícia e cestas básicas para conquistar os votos dos indígenas da Aldeia Castanhal, de etnia Guajajara. Foi expulsa.
(Com informações de Elaíze Farias, Gleice Antonia de Oliveira, Janete Melo e Spensy Pimentel)
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