1 de agosto de 2014

Usina sucroalcooleira instalada em TI ameaça queimar palha da cana para destruir acampamento Apyka’i

Cacique Damiana ao lado de faixa de protesto

CIMI


Por Carolina Fasolo,
de Brasília (DF)
“O projeto é que a Usina São Fernando torne-se a maior do país num prazo de 10 anos”, disse nesse segunda-feira (28) ao jornal sul mato-grossense Correio do Estado um funcionário da Prefeitura de Dourados que acompanhou a venda de 49% da empresa de açúcar e álcool para um grupo econômico de Dubai, Emirados Árabes Unidos, pela quantia de R$ 2 bilhões.

Enquanto o dinheiro da transação bilionária é aplicado na expansão da usina que planta em terras indígenas, quinze famílias Guarani/Kaiowá que reivindicam o Tekoha Apyka’i, onde incide a fazenda Serrana - uma das principais arrendadoras da usina-, vivem dias de tensão desde sábado (26) quando um funcionário da São Fernando entrou no acampamento e anunciou que a usina queimaria a palha da cana-de-açúcar para destruir os barracos dos indígenas, que estão entre a plantação de cana e uma pequena porção de mata, área de reserva legal da fazenda.
A queima da palha da cana-de-açúcar é proibida desde 2012 na região sul do estado, sendo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o único órgão competente para conceder o licenciamento ambiental de empreendimentos agrícolas na região. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o Ibama exige das empresas um Estudo de Impacto Ambiental “para analisar as consequências da queima para a saúde humana, as áreas de preservação ambiental, remanescentes florestais e a população indígena”.
Acampados no local desde setembro de 2013, os indígenas de Apyka’i sofrem com constantes ameaças de funcionários e ‘seguranças’ contratados para aterrorizá-los. “Ele chegou aqui com carro da usina e disse que eles queimariam a cana para acabar com a gente e com nossos barracos, igual aconteceu aquela vez”, conta a líder Damiana Cavanha, referindo-se aoincêndio ocorrido em agosto do ano passado que iniciou no canavial da Usina São Fernando. Na época, os indígenas acampavam às margens da rodovia BR-463 e tiveram barracos, comida e pertences devastados pelas chamas.
A comunidade está em pânico com a possibilidade de um novo incêndio. “Estamos apavorados. Temos muitas crianças aqui. Da outra vez perdemos tudo, mas pelo menos todos sobrevieram E se botarem fogo a noite, não der tempo de a gente fugir?”, diz Damiana, preocupada em perder mais membros da família e companheiros da luta pelo direito de viver na terra sagrada. 

Oito pessoas já morreram durante os anos de espera pela demarcação de Apyka’i, a maioria vítima de atropelamentos. Neste ano, Delci Lopes, de 17 anos e Ramão Araújo, 41, morreram atropelados por um caminhão que transportava bagaços de cana e por um automóvel Toyota Hillux, respectivamente.
Reintegração de posse

A comunidade ainda corre o risco de voltar para a BR-463, onde viveram por mais de 20 anos em condições degradantes e sem nenhum tipo de assistência. Em maio, uma decisão judicial determinou a retirada dos indígenas da fazenda arrendada para o plantio de cana. Felizmente, à época, a Polícia Federal (PF) informou que não tinha efetivo para uma operação de reintegração de posse, por conta da realização da Copa do Mundo. A juíza determinou então que a Funai retirasse os indígenas da área. O órgão indigenista recorreu da decisão, mas a qualquer momento a ordem de despejo contra a comunidade pode ser cumprida pela PF, dado o encerramento do evento esportivo
Uma das últimas esperanças dos indígenas de Apyka'i é uma ação ajuizada pelo MPF neste mês para forçar a compra, pela União, de uma área de 30 hectares dentro da fazenda, onde os indígenas devem permanecer até a demarcação definitiva da terra. Além disso, a Fundação Nacional do Índio (Funai) pode ser multada em mais de R$ 1,7 milhão por descumprir Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado em 2007 que determina a demarcação das terras indígenas no MS, entre elas Apyka’i. Para o MPF “A inércia do Estado tem custado caro à comunidade, que, sem expectativa de regularização fundiária, vive em péssimas condições, arriscando o bem mais precioso de seus integrantes: a vida”.
Usina São Fernando – Dívida bilionária e planos de expansão
José Carlos Bumlai, conhecido nome do agronegócio em MS e amigo próximo do ex-presidente Lula, é o arrendatário da fazenda Serrana (que incide sob o território indígena) e proprietário da usina São Fernando. Atualmente administrada por Maurício e Guilherme, filhos de Bumlai, a usina esteve perto da falência no ano passado e recorreu à Lei de Recuperação Judicial, que dá longos prazos para que o empresário pague as dívidas sem precisar fechar o negócio.
De acordo com a Justiça, quase metade da dívida da empresa, que é de R$ 1,2 bilhão, surgiu por meio de empréstimos liberados ainda no governo Lula pelo BNDES (R$ 540 milhões) e Banco do Brasil (R$ 240 milhões). Outra parte é referente a débitos trabalhistas (R$ 1, 693 milhão), fiscais (R$ 30, 342 milhões) e com prestadores de serviços e fornecedores (R$ 132, 648 milhões). Estima-se que o restante da dívida era com arrendadores de fazendas para o plantio da cana-de-açúcar.
“Os proprietários chegaram a ficar três meses sem receber, mas logo foram pagos. Essa usina tem ligação com políticos grandes, de vez em quando o Lula aparece pra visitá-la... Basta outro aporte do BNDES e fica tudo certo”, disse uma fonte que investigou em Dourados o processo de Recuperação Judicial da usina. Do montante de R$ 2 bilhões arrecadados com a venda de 49% da empresa, R$ 800 milhões serão usados para quitar parte das dívidas e R$ 1,2 bilhão aplicado na expansão do empreendimento.
Os planos devem afetar diretamente a vida dos Guarani/Kaiowá de Apyka’i, que há 25 anos aguardam a demarcação de sua terra ancestral, sofrendo toda a sorte de violações e vivendo em condições subumanas.  A violência contra o povo recrudesceu a partir de 2009, quando a usina São Fernando instalou-se no território e a comunidade passou a ser atacada por ‘seguranças’ armados, contratados pelos fazendeiros. 
“Se eles têm esse dinheiro todo e querem a gente fora daqui então que nos matem de uma vez, e não aos poucos, como estão fazendo. Porque eu quero morrer na terra onde os meus foram enterrados, é aqui nosso lugar, no tekoha Apyka’i e daqui não vamos sair”, disse Damiana quando informada a respeito dos planos da usina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário