Com o fim das ações do governo para maquiar as contradições do país durante a Copa do Mundo, um fantasma volta a assombrar os povos indígenas - o fantasma das reintegrações de posse. Menos de um mês depois da final do campeonato mundial de seleções, a 4a Vara Federal de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, determinou a reintegração de posse de área retomada pelo povo Terena na Terra Indígena Pillad Rebuá, município de Miranda, região do Pantanal. Ainda não há um dia definido para a reintegração.
A defesa da comunidade irá recorrer da determinação. Os indígenas, por sua vez, afirmam que não desistirão do território tradicional. “Não estamos invadindo nada que não nos pertence. O que fizemos e manteremos é a ocupação de nossas terras. Vamos lutar até o fim”, declara Inezita Terena. Pillad teve o primeiro registro de reconhecimento pelo Estado em 1904. Um processo de demarcação teve início em 1950, mas não seguiu. “Sempre estivemos aqui e daqui fomos expulsos. Jamais que queremos algo que não seja de nosso povo, de nossos ancestrais”, diz Inezita.
Em Pillad, os terena plantam em roças espalhadas por toda a área. Os 2,2 mil indígenas de Pillad, até as últimas retomadas de outubro de 2013, viviam em 94 hectares, divididos em duas aldeias, Moreira e Passarinho. As retomadas ocorreram em duas propriedades localizadas dentro de Pillad. A ação foi também uma forma de exigir que fosse instituído o Grupo de Trabalho (GT) para finalizar o processo de identificação e demarcação da terra indígena, cuja dimensão apontada nos laudos iniciais da Fundação Nacional do Índio (Funai) é de 10.400 hectares.
Inezita explica que a Justiça Federal convocou os terena de Pillad para uma reunião na próxima quinta-feira com os fazendeiros que se dizem proprietários da área incidente à terra indígena. “Sempre optamos pelo diálogo. Várias vezes tentamos explicar para os fazendeiros que essa terra é do povo Terena, mas sempre responderam com violência. Pensamos que o caso é de demarcar nossas terras”, defende Inezita. O Mato Grosso do Sul, porém, é um dos estados mais afetados pela política indigenista do governo federal de paralisação dos procedimentos de demarcações.
Como consequência, a violência tem pautado a já dura vida de milhares de indígenas que buscam pequenas porções de terras em áreas tradicionais invadidas por fazendas. Em 10 de novembro do ano passado, cerca de 300 indígenas Terena foram atacados por homens armados em caminhonetes depois de terem ocupado a fazenda. Cápsulas de 9mm foram encontradas no local e entregues à Polícia Federal. Na sede da propriedade foram encontrados diversos buracos de bala no telhado, paredes e em um bebedouro.
Dois dias depois, fazendeiros expulsaram à tiros indígenas que haviam retomado a área de uma outra fazenda que incide sobre a área reivindicada como terra indígena Pillad Rebuá. Um trator pertencente à comunidade também foi incendiado. Ninguém ficou ferido.
Incêndios e atentados
Contra o povo Terena, já são inúmeros os casos de ataques, incêndios e ameaças. O indígena Paulino Terena, liderança de Pillad Rebuá, faz parte do Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Mesmo assim, acabou baleado na perna direita depois que homens não identificados atacaram a tiros, na madrugada de uma segunda-feita, dia 19 de maio deste ano, a aldeia e a casa onde ele vive. Este foi o terceiro atentado sofrido pelo indígena em menos de um ano.
No dia 6 de dezembro do ano passado, quatro homens encapuzados atearam fogo no carro do indígena depois de emboscada. Tentaram atear fogo em Paulino, que fugiu para o mato entre os tiros dos pistoleiros. Três dias depois a casa do indígena foi arrombada.
Paulino denunciou à Polícia, Funai e Ministério Público Federal (MPF) as sucessivas ameaças de morte que vinha recebendo. Durante a 4ª. Assembleia do Povo Terena, no final do ano passado, a comunidade de Pillad entregou uma carta ao Conselho Terena relatando que "[fazendeiros] querem a cabeça dele [Paulino] como troféu".
A violência contra o povo Terena, em Miranda, é reflexo da luta dos indígenas por suas terras tradicionais. Em 4 de junho de 2011, um ônibus que transportava cerca de 30 estudantes terena, a maioria entre 15 e 17 anos, foi atacado com pedras e coquetéis molotov. Seis pessoas, incluindo o motorista, sofreram queimaduras. Quatro foram internadas em estado grave.
A estudante Lurdesvoni Pires, de 28 anos, faleceu, vítima de ferimentos causados pelas queimaduras. Na época, lideranças terena creditaram o ataque a proprietários rurais da região, no contexto da disputa pela demarcação das terras indígenas. No dia 28 de novembro de 2012, também em Miranda, um ônibus vazio que realizava transporte de alunos terena foi incendiado. Ele fazia o trajeto pela terra indígena Cachoeirinha, também alvo de conflito.
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