Foto Ilustração _ Pedro Hiraoka
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB vem por meio da presente manifestar em primeiro lugar a sua profunda preocupação pela nota divulgada no dia de ontem, 06 de maio, pela Secretaria Geral da Presidência da República, intitulada“ Esclarecimentos sobre a consulta aos Munduruku e a invasão de Belo Monte”, na qual o Estado Brasileiro, sob gerência do Governo da Presidente Dilma Rousseff, assume publicamente uma posição abertamente preconceituosa e discriminatória contra os povos indígenas do Brasil. Para o governo, os indígenas mobilizados contra a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e contra o complexo hidrelétrico dos rios Tapajós e Teles Pires não são legítimos, daí que os chama de “autodenominadas” ou “pretensas” lideranças. Curioso, mas quando era do interesse do governo o mesmo os recebeu como legítimos para negociações no Palácio do Planalto.Evidentemente que esse ataque não é só contra os Munduruku, pois o neodesenvolvimentismo em curso atinge a todos os povos, os quais desde o governo Lula são tachados de obstáculos à implementação desse modelo, por se insurgirem, contra a sua lógica economicista, neocolonial e mercantilista, de ocupação de territórios, inclusive com o uso da força, de medidas repressivas, acompanhadas de campanhas enganosas e de descaracterização, como nos tempos da ditadura, outrora combatidos pelos hoje autores da nota governamental.
A APIB lamenta que o governo, que por mandato constitucional deveria zelar pelos direitos dos povos indígenas, se assuma hoje como o porta-voz das forças inimigas que almejam a extinção dos nossos povos, para destruírem nossos territórios e se apropriarem dos bens neles existentes preservados milenarmente pelos nossos ancestrais.
A nossa organização alerta ainda para os riscos desse tipo de pronunciamento que só vem legitimar o ódio, as ameaças e práticas de violência que os setores antiindígenas promovem contra as nossas comunidades e lideranças, atos que nos últimos dois anos tem se agravado em razão do respaldo legal que esse governo tem dado aos invasores dos territórios indígenas por meio de portarias e decretos inconstitucionais, destinados a desconstruir os direitos originários e facilitar a abertura desses territórios à exploração brutal dos neocolonizadores.
Ao contrário dos índios, que supostamente tem “se conduzido sem honestidade necessária a qualquer negociação”, foi o Governo Dilma, que assim agiu, pois enquanto estava em andamento o processo de regulamentação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que dispõe sobre o direito de consulta livre, previa e informada, sob comando da própria Secretaria Geral da Presidência, este publicou, em 17 de julho de 2012, a Portaria 303, que atenta frontalmente contra esse direito. O governo, então, contraditório como ninguém, não pode falar de honestidade.
Em função disso, até não ser revogada a tal Portaria, o movimento indígena se negou a fazer parte desse processo de regulamentação, que não foi, como disse o governo, totalmente transparente. Até porque o procedimento desconsidera a participação dos nossos povos já na fase de planejamento dos “programas de desenvolvimento regional e nacional”, conforme estabelece a 169, e não depois que os projetos foram aprovados.
Se a normatização não aconteceu, por conta dessa vergonhosa contradição, como é que o governo pretende fazer consultas aos povos indígenas, mesmo em caráter de laboratório? Ora, com os últimos pronunciamentos, o governo confirma a sua única pretensão ao querer regulamentar a Convenção 169 que é obter o consentimento dos povos e comunidades indígenas à implementação dos grandes empreendimentos nos seus territórios, mesmo que isso signifique a programação de sua morte física e cultural, danos e crimes contra o meio ambiente e a biodiversidade.
A acusação de que os indígenas se opõem aos empreendimentos simplesmente “porque estão envolvidos com o garimpo ilegal de ouro” é insincera e inaceitável, uma vez que tenta desqualificar a luta que todos os povos, incluindo os Munduruku, desenvolvem há séculos na defesa de seus territórios, a partir de uma cosmovisão peculiar de relação com a Mãe natureza e que os atuais tanques pensantes do Planalto já defenderam rigorosamente em outros tempos, quando militantes da causa indígena. Por outro lado, o governo quer justificar a sua inoperância na proteção das terras indígenas e na falta de capacidade ou de vontade de oferecer aos nossos povos condições de sustentabilidade. No mesmo processo de relação com o povo Munduruku essa deficiência ficou provada, pois depois das reuniões com o Secretário Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e seus notáveis auxiliares, foi prometido aos índios que nos seguintes dias o governo iria compensar os danos da Operação Eldorado, e apoiaria o plano da FUNAI de enviar uma equipe técnica para área com objetivo de pensar junto com os índios um programa de etnodesenvovilmento. Até hoje nada disso aconteceu. Pateticamente só se fala de consulta e da necessidade de fazer crescer o país – a qualquer custo, é claro. Se a prática do garimpo é ilegal e há envolvimento de indígenas com essa atividade, a responsabilidade é do Estado, que erroneamente quer resolver os problemas recorrendo a ilegalidades, como a não observância dos tratados internacionais, da Constituição Federal e o uso de medidas repressivas.
A APIB rechaça a pretensão do governo ou de seus representantes de se atribuírem a prerrogativa de dizer quem é ou não liderança legitima, pois com isso atenta mais uma vez contra o direito dos nossos povos e comunidades a exercerem a sua autonomia. É tristemente lamentável que o Governo Dilma tenha se configurado nos últimos tempos como um governo autoritário claramente alinhado aos interesses das classes que sempre dominaram e exploraram as maiorias deste país.
Brasília-DF, 07 de maio de 2013.
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB
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