“Lideranças estão morrendo, e o gado está ficando mais gordo”, afirmou o Guarani Kaiowa Elizeu Lopes. foto: Ruy Sposati/Cimi
por Ruy Sposati, de Bruxelas (Bélgica)
Continuando o circuito europeu de incidência internacional indígena na Europa, a delegação brasileira se reuniu com belgas do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia - respectivamente, as esferas legislativa e executiva da União Europeia (UE) - em Bruxelas (Bélgica), denunciando a situação das populações originárias no Brasil. Da esquerda aos conservadores, deputados e membros do governo mostraram preocupação com a violação de direitos humanos e territoriais sofrida pelos indígenas, e se comprometeram a trazer o tema para a UE.
“Enquanto o meu povo está morrendo, as grandes empresas de soja e de usina de cana estão crescendo; as lideranças estão morrendo, e o gado está ficando mais gordo”, explicou a liderança Guarani Kaiowa Elizeu Lopes a representantes do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Bélgica. “Nós povos indígenas sabemos que a Europa tem negócios com o Brasil, compra biocombustível, carne, enquanto nós estamos na beira da estrada, expulsos pelos fazendeiros. Esses negócios também financiam a nossa morte”.
Esta é a tônica dos encontros que, desde segunda, 26, a delegação liderada por Elizeu está realizando em Bruxelas, sede da União Europeia. De deputados belgas do Partido Verde, Partido da Esquerda e Partido Conservador da UE a ministérios e secretarias da Bélgica e da Comissão Europeia, como o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), passando por suas divisões especiais sobre desenvolvimento, cooperação e direitos humanos, o indígena tem compartilhado o histórico de ataques e dados sistematizados sobre a questão fundiária e insegurança alimentar vivido pelos Kaiowa e Guarani no Mato Grosso do Sul.
Em Bruxelas, Flávio Machado, Valeria Burity, Elizeu Lopes e Laurent Delcourt debatem golpe e questão indígena. foto: Ruy Sposati
Parlamentares
“O que sofrem os indígenas no Brasil contradiz o próprio marco legal estabelecido na Constituição e nos tratados de direitos humanos do qual o Brasil é signatário. E os parlamentares belgas da UE, assim como os alemães, estão conscientes disso”, explica a representante da Fian Brasil que acompanha a comitiva, Valéria Burity.
Assim como na Alemanha, os parlamentares se mostraram preocupados com a contradição entre a lei e a prática do Estado para os povos originários. “Em síntese, o que nos disseram os deputados foi que não era possível ser a favor de um Estado que não cumpre a sua própria constituição”, continua Valéria. “Como eles compreendem os direitos indígenas como um tema internacional, haverá uma cobrança por parte da UE”.
Os parlamentares deram atenção ao relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), lançado pela relatora especial sobre a questão indígena, Victoria Tauli-Corpuz, na última semana durante a 33ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC). O documento - realizado a partir de levantamento in loco da relatora nas terras indígenas brasileiras - denuncia a omissão do Estado na garantia dos direitos às populações tradicionais, e foi endossado pelo movimento indígena e diversas organizações indigenistas e de direitos humanos do Brasil e do mundo, além do próprio Ministério Público Federal (MPF). “Os deputados se comprometeram a apresentar o relatório de Victoria no Parlamento Europeu, e fazer um apelo para que o Brasil cumpra as recomendações da relatora”, relata Valéria.
Nas reuniões com os deputados e governo, a delegação resgatou uma resolução publicada pelo Parlamento Europeu em 1996 contra a aprovação do Decreto 1.775/1996 (decreto este que modificava o processo de demarcação das terras indígenas, sendo permitido então que o laudo técnico de identificação das áreas fosse contestado por fazendeiros e pelo Estado). À época, o movimento indígena se opôs fortemente ao decreto, e a resolução do parlamento reconhecia que “a história dos povos indígenas para obter o reconhecimento constitucional dos seus direitos tem sido um longo calvário de chacinas e assassinatos”, e que as demarcações sempre são “acompanhadas de pressões junto do poder, além de intimidações, ocupações ilegais, violência e mortes”, exigindo que os direitos dos indígenas fossem levados a cabo.
Ainda mais violentos
Elizeu e a delegação participaram de um debate sobre o os movimentos sociais e contexto político pós-impeachment no Brasil, no Centro Cultural pianofabriek, em Bruxelas. Sob o título “Qual o impacto do golpe nos movimentos sociais e na comunidade indígena?”, a delegação brasileira discutiu com os belgas o recrudescimento da criminalização dos militantes pelos direitos humanos, já gestado durante o governo de Lula e Dilma e acirrados após o golpe.
“Os fazendeiros ficaram ainda mais violentos depois do golpe”, contou Elizeu ao público, referindo-se em especial ao episódio conhecido como o Massacre de Caarapó, um violento ataque paramilitar contra a reocupação da terra indígena Dourados-Amambaipeguá ocorrido pouco depois da queda da ex-presidente. O debate foi organizado pela Fian Bélgica, e mediado pelo jornalista e pesquisador do Centre Tricontinental (CETRI), Laurent Delcourt, que recentemente escreveu o artigo “Primavera enganosa no Brasil” para o Le Monde diplomatique, questionando a legitimidade política do impeachment de Dilma, categorizado por ele de golpe parlamentar.
Nos próximos dias, a delegação irá para Viena, onde também se reunirá com parlamentares representantes do governo austríaco. Na semana seguinte, Elizeu lidera uma série de encontros com deputados e organizações sociais, além de participar de um seminário público promovido pela Anistia Internacional intitulado "Povos indígenas no Brasil: direitos humanos e crise ambiental" no dia 4 de outubro, na Universidade de Londres.