Incêndio ocorreu na última segunda-feira, 29, na aldeia Anderé, Terra Indígena (TI) Rio Branco, Alta Floresta do Oeste (RO). Indígenas do povo Makurap acreditam que o fogo tenha sido provocado por madeireiros que moram próximo à área.
Foto _ Rota Comando |
Incêndio criminoso destruiu três casas na última segunda-feira, 29, na aldeia Anderé, Terra Indígena (TI) Rio Branco, Alta Floresta do Oeste (RO). Indígenas do povo Makurap acreditam que o fogo tenha sido provocado por madeireiros que moram próximo à área. “A gente não merece isso. Não sabemos o porquê de toda essa violência”, lamenta liderança indígena. Ainda, um gerador de energia responsável pelo abastecimento de luz e água da comunidade desapareceu após incêndio. Os indígenas encontraram perfurações na caixa d’agua feitas com arma de fogo. No momento da destruição todos os moradores estavam fora da aldeia, ao coletar castanhas. “A gente acredita que estavam observando e aproveitaram o momento que não tinha ninguém na aldeia”.
Para liderança da TI, o ato demonstra hostilidade contra as populações tradicionais que vivem no norte do Estado. “Já existiram alguns conflitos entre indígenas e não indígenas. Eles querem explorar em nossas aldeias. Tem muitos madeireiros e pescadores que rondam por aqui. Reclamamos que não queríamos mais eles em nossas terras. Não devem ter gostado e se vingaram”, comenta. A terra tradicional é habitada pelos povos Aikanã, Arikapú, Aruá, Djeoromitxí, Kanoê, Makurap e Tupari.
“Além de duas casas, eles queimaram também a nossa casa de chica. Era um lugar sagrado”, lamenta outro indígena. “Ontem fomos até a Fundação Nacional do Índio, em Ji Paraná, para colocar o que aconteceu. O mínimo que esperamos é que seja feita alguma coisa, também que protejam a gente”.
Os Makurap foram historicamente sitiados e violentados por projetos de exploração. No ciclo da borracha, o território tradicional desses grupos foi invadido por seringais. Na história do povo esse regime é conhecido como momento de depopulação em razão de epidemias.
Em agosto, lideranças da Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas (Opiroma) e da Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (Agir) denunciaram em Brasília as invasões e desmatamento que ocorrem constantemente em suas terras.
“Nós temos loteamentos feitos dentro das Terras Indígenas Uru Eu Au Au, Karitiana, Karipuna, entre outras terras indígenas”, comentou José Luís Kassupá, coordenador da Opiroma. “Há mais de trinta anos estamos lutando para retirar os invasores de dentro das terras indígenas. Hoje o marco temporal legaliza isso e outras questões também, como as invasões, o desmatamento dentro das terras indígenas”.
Em fevereiro de 2017, uma reportagem do portal Amazônia Real apurou que as Secretarias de Agricultura (Seagri) e de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) do governo do estado de Rondônia atuaram ativamente na distribuição de lotes dentro da área demarcada, participando inclusive de reuniões realizadas dentro da terra indígena, junto com o vice-prefeito do município de Ariquemes (RO), Lucas Follador, e um representante do senador Acir Gurgacz (PDT-RO).
Em levantamento realizado pela Associação Jupaú e pela Associação Etnoambiental Kanindé e entregue ao Ministério Público Federal (MPF) em janeiro de 2017, constatou-se que há 313 Cadastros Ambientais Rurais (CAR) sobrepostos a terras indígenas no estado de Rondônia. A grande maioria – 275 – sobrepõe-se à TI Uru Eu Wau Wau, mas há também 15 registros de sobreposição à TI Massaco; 12 na TI Karipuna; 6 na TI Kaxarari; 2 na TI Karitiana; além de um na TI Sagarana, um na TI Sete de Setembro, um na TI Aripuanã e um na TI Lage e Ribeirão.
O registro no CAR pode ser feito pelos proprietários e, embora não seja um documento fundiário, há diversas denúncias de casos em que o CAR tem sido utilizado para legalizar áreas griladas, empregado como uma espécie de comprovação de ocupações ilegais.
Rondônia e o desmatamento
O avanço agressivo da exploração madeireira e grilagem das terras indígenas é uma prática da expansão da fronteira agrícola.
“Os invasores – madeireiros e grileiros – agem a luz do dia, sem que nenhum órgão de controle e fiscalização tome providencias para coibir tais ilegalidades”, denunciou em outubro uma nota do Conselho Indigenista Missionário Regional Rondônia. O texto aponta o marasmo governamental como atitude conivente com os crimes ambientais e contra as comunidades tradicionais que habitam a região.
“A omissão faz com que o Estado de Rondônia se caracterize como terra de ninguém, um campo aberto para a expansão de grupos econômicos inescrupulosos. Promove-se o esbulho possessório dentro das TI e Unidades de Conservação Ambiental”.
Há menos de 30 anos, Rondônia tinha 2% de áreas desmatadas. Hoje encontra-se como campeão da devastação na região Amazônica – 9 milhões de hectares, mais de um terço da área total do estado. Os dados são de 2007 e foram organizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre os principais motivos para o desmatamento está o crescimento da indústria madeireira e as queimadas que são feitas para o desenvolvimento da pecuária e da agricultura.
De acordo com o estudo “O Fim da floresta? A devastação das Unidades de Conservação e Terras Indígenas no Estado de Rondônia”, o modelo econômico de exploração dos recursos naturais é um dos principais fatores que causam o aumento do desmatamento.
Dois projetos se evidenciam no mapa ao lado. Com aproximadamente um quarto pintado de roxo – cor utilizada para identificar as áreas de desmatamento, a cartografia permite compreender a ampliação das práticas madeireiras sobre as Terras Indígenas e de conservação.
“O cenário indigenista vivido no estado de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso do Sul e Sul do Amazonas é preocupante, devido aos constantes retrocessos nos direitos indígenas, de modo especial as contínuas invasões dos territórios por grupos econômicos inescrupuloso”, expressa a nota divulgada também em agosto pelo Regional Noroeste da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O avanço da fronteira agrícola eleva também as violências contra comunidades indígenas, tradicionais e para pequenos agricultores. O relatório Conflitos no Campo – Brasil 2016, produzido anualmente pela Comissão Pastoral da Terra, mapeou 162 casos de violência no estado.
“[…] exploração predatória de madeira, a pecuária extensiva e a concentração fundiária, com reflexos no crescimento desordenado das cidades e o aumento da violência, têm contribuído para a intensificação de pressões sobre as unidades de conservação, terras indígenas e outras áreas protegidas no estado”, afirma o estudo produzido pelo Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).
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