“O Cimi preza por ouvir o clamor deste povos, sujeitos históricos de suas próprias vidas.Os encontros priorizam estas falas e por elas pautamos nossa atuação. Temos um quadro na conjuntura política que trazem desafios"
Cleber Buzatto
|
Fotos _ Reproduzidas/Cimi |
Dom Erwin Kräutler, logo que chegou ao Xingu, na década de 1960, perguntou sobre o povo Kayapó. Disseram-lhe que eram indolentes, selvagens e em 20 anos não existiriam mais, assim como os demais povos indígenas do país. Tomou como missão estar ao lado dos indígenas e evitar que tal veredito ocorresse. A decisão havia sido tomada por dezenas de outros e outras religiosos e religiosas, espalhados pelo Brasil, convertidos à causa dos povos indígenas sob a luz de mudanças rebeldes no interior da Igreja Católica. O Concílio Vaticano II e a teologia da libertação abriram janelas. Anos mais tarde, em 1972, período dos mais duros da ditadura militar, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) é fundado denunciando o genocídio em curso, à época, dos povos indígenas.
Em abril deste ano, o Cimi completou 45 anos. Segue denunciando a que estes povos estão submetidos. Nesta semana, celebrando os mártires, a esperança e a paz para os povos indígenas, ocorre a XXII Assembleia Geral do Cimi, com o tema O Cimi a serviço dos povos indígenas: teimosia e esperança na afrimação da vida. “A palavra teimosia me marcou aqui nesse encontro. Trabalho de formiguinha. Meu povo tem uma relação antiga com o Cimi. Minha avó o chamava de Sino, lá nos anos 1970. Desde então tem sido fundamental o Cimi porque é quem é inistente e teimoso ao lado dos povos. Esteve ao nosso lado nos momentos mais duros, de mais perigo. Nos ajudou a montar nossas organizações de base, nosso empoderamento”, diz Cícero Jeripankó.
Missionários e missionárias, colaboradores, convidados e lideranças indígenas estão reunidos no Centro de Formação Vicente Canas, em Luziânia (GO), para debater a conjuntura, as lutas travadas pelos povos em defesa de suas terras e vidas, além de estratégias ao enfrentamento neste momento de graves retrocessos impostos aos direitos indígenas por um padrão de poder do Estado que perpassa governos, com destaque ao atual, fiador de todas as pautas anti-indígenas em curso no Congresso Nacional, e se respalda em setores do Judiciário. Dos 11 regionais do Cimi, chegam os dados desta realidade. “Megacorporações investindo no agronegócio, com florestas revertidas em pasto. Territórios sendo assediados pelo capital e para arrendamentos aos fazendeiros. Mas temos exemplos de esperança. (A Terra Indígena) Maraiwatsédé segue sendo uma vitória, resistindo às ameaças”, afirma Natália Bianchi Filardo, missionária do Regional Mato Grosso.
Egon Heck, do Secretariado Nacional e um dos fundadores da entidade, lembra que a Amazônia sempre foi um grande desafio, ainda é e será no futuro. “São grandes os interesses econômicos a serem enfrentados. Conseguimos aumentar a presença missionária no Regional Norte I, motivando esse trabalho tão importante”, frisa. A atual coordenadora do regional, Adriana Huber Azevedo, destaca que apesar de ser a região com mais terras indígenas demarcadas, há cerca de 180 territórios com demandas pendentes, sendo que destas aproximadamente 130 tiveram sequer qualquer tipo de encaminhamento por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai). “As terras indígenas já demarcadas sofrem com invasões, grandes empreendimentos estatais e privados, garimpos e madeireiros. Há informações preocupantes sobre massacres contra povos indígenas em situação de isolamento voluntário”, pontua Adriana.
O encontro também é um momento dos missionários e missionárias trocarem experiências em face da pluralidade de povos apoiados pelo Cimi. Se trata da memória viva destes 45 anos de caminhada do Cimi, compartilhado entre as gerações de indigenistas fromados no convívio das aldeias, acampamentos e retomadas. “Existem muitas diferenças nas atuações, mas o racismo, a violência e falta de garantias quanto à demarcação revelam que se trata de um padrão que envolve povos em contexto urbano ou rural”, defende Aleandro Silva, do Regional Sul do Cimi e que atua em São Paulo. A própria atuação do Cimi em Brasília foi lembrada, envolvendo embates junto aos Três Poderes da Repúplica, entre consquistas importantes, caso do artigo Dos Índios da Constituição Federal, a duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) movidas contra o Cimi e os povos indígenas – bem como contra a atuação da Funai e demais organizações que comungam o apoio incondicional a estes povos.
A programação da XXII Assembleia Nacional seguirá até sexta-feira, dia 27, e contará com espaços voltados à organização interna e de fala das lideranças indígenas vindas de todo o país para a atividade. “O Cimi preza por ouvir o clamor deste povos, sujeitos históricos de suas próprias vidas. Habitualmente os encontros do Cimi priorizam estas falas e por elas pautamos nossa atuação. Temos um quadro na conjuntura política que trazem desafios. Entendemos que os povos indígenas possuem respostas de resistência e esperança”, afirma Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi. Para o coordenador do Regional Cimi Sul, Roberto Liebgott, “o profetismo dos indígenas, a resiliência e a mística os trouxeram até aqui. Sem dúvida todos e todas têm o que aprender com isso. A Assembleia do Cimi é um espaço em que os missionários e missionárias renovam seu voto de fidelidade aos povos indígenas e, sobretudo, aprendem com eles”.